Justiça para criança: engajamento cívico em Timor-Leste
Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima *
O Timor-Leste é um país jovem: constituiu-se como nação independente há 6 anos e 62% da sua população tem menos de 18 anos de idade. A natalidade é alta e, apesar dos desafios para a redução da mortalidade infantil, há uma fundada expectativa de curva demográfica ascensional a exigir politicas públicas capazes de garantir os direitos humanos. A construção do Estado Democrático de Direito se defronta com um desafio de natureza diferenciada: colonizado pelos Portugueses e invadido pela Indonésia de 1975 até 1999, o Timor-Leste guarda uma história escrita em 32 línguas, através de longo período de resistência e com traumas diversos registrados na tarja negra que está inscrita na bandeira nacional.
Está o país a construir a sua legislação, a estruturar os órgãos soberanos do Estado e a formar os seus recursos humanos. A promulgação dos Códigos Penal e Civil constitui uma expectativa: vigentes, ainda, os diplomas indonésios na terra independente. Como escrever, pois, uma legislação capaz de respeitar os princípios estruturantes da Convenção sobre Direitos da Criança (CDC) e preservar a especificidade nacional? Este artigo sintetiza a experiência como consultora do Unicef e do Ministério da Justiça (MJ) para redação do projeto para adolescentes em conflito com a lei.
Definiu-se, inicialmente, que o projeto seria precedido por uma consulta distrital. Preparou-se um instrumento, testou-se e organizou-se uma equipe de juristas que conhecem as línguas do país. Planejou-se, com os Administradores Distritais, uma reunião em cada um dos Distritos realizando-se, ao longo de três meses, uma breve exposição sobre o propósito da consulta. Presentes as Autoridades Comunitárias - Administradores, Sub-Administradores, Chefes de Suco e de Aldeia - e Representantes das áreas de saúde, educação, segurança, ongs e religiosos. Enfatizou-se a perspectiva da cidadania e o fortalecimento da Democracia. Aplicou-se instrumento com questões sobre prevenção da criminalidade e mecanismos tradicionais comunitários de resolução de conflito. As respostas foram discutidas em grupo, sistematizando-se, a seguir, os pontos fundamentais que poderiam vir a ser assimilados no projeto de lei. Foram ouvidas, ao longo da consulta distrital, 678 pessoas. Formaram-se, igualmente, dois grupos em Díli: o primeiro constituído de representantes do judiciário, do ministério público e da defensoria, foi igualmente interministerial e discutiu o processo de consulta e o conteúdo do draft. Já o segundo grupo reuniu adolescentes representantes de ongs de Díli para discutir o tema da justiça juvenil. Os jovens reuniram-se semanalmente e estruturaram-se como “Rede Juvenil Comunicação Direito da Criança” (Rede), mantendo-se em processo de gradativo fortalecimento mediante a discussão da CDC.
Programou-se, igualmente, um Seminário “Justiça para Criança: fortalecendo a Democracia em Timor-Leste” com o objectivo de abrir, formalmente, o processo de consulta pública do draft revisado. O Seminário foi precedido de Oficina que reuniu 88 adolescentes de todos os Distritos discutindo a CDC e os procedimentos para adolescentes autores de crime. Organizou-se um treinamento sobre CDC para os 13 Pontos Focais de Direitos Humanos dos Distritos que acompanharam os adolescentes. No Seminário, afinal, os próprios adolescentes apresentaram ao público o fluxo dos processos sócio educacional e do penal juvenil, as medidas sócio educacionais, as medidas de proteção e a possibilidade da mediação através da prática tradicional comunitária para os crimes semi-públicos.
Este processo intenso, ao longo de onze meses, constituiu uma experiência pioneira de participação cívica dos adolescentes, nos termos dos artigos 12 e 13 da CDC e de ampliação do debate sobre a dinâmica legislativa, convidando novos atores para integrar a discussão sobre as três dimensões do projeto de lei: preventiva, sócio educacional e restaurativa. A capilaridade que vem alimentando esta senda escolhida para orientar o processo da legislação especial fortalece a descentralização do debate e a assimilação da cidadania enquanto dinâmica que também pode vir a sustentar a democracia em Timor-Leste. Primeiro a ser colocado no site do MJ para ampliar o debate nacional, o draft Justiça Juvenil inaugura o engajamento cívico. O grupo de adolescentes formado em Janeiro de 2008 está fortalecido pelos jovens dos Distritos, construindo, aos poucos, a Rede Nacional.
Embora com limitadas estradas nas montanhas, a exigir prudência para atravessar a ilha, a experiência recente do processo de redação e debate na área da justiça juvenil em Timor-Leste confirma que há muitos caminhos entre o direito e a sociedade para atravessar a realidade insular e aportar no continente da garantia dos direitos da criança.
* Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima, Juíza de Direito da Bahia, membro da Associação Juízes para Democracia, Consultora em Timor-Leste.
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