terça-feira, 21 de dezembro de 2010


 JANGADAS DA CIDADANIA

Maurício Brasil *


“... me parece uma enorme  contradição  que  uma  pessoa progressista,  que  não  teme  a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo  cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa”
Paulo Freire.


Em janeiro de 2008, o núcleo baiano da Associação Juízes para a  Democracia  deliberou  desenvolver projetos junto a comunidades carentes, para estreitar o laço do Poder Judiciário com a camada mais carente da  população  e  daí  vem  o  “Projeto Jangadas da Cidadania”, fruto de uma parceria com a Colônia Z-67, organização que foi criada inicialmente com 148  pessoas  e  conta  com  cerca  de 1.000 associados, pescadores e marisqueiras, localizado no Bairro de Paripe, subúrbio ferroviário de Salvador-BA.
Encontramos um  Poder  Judiciário precarizado nos serviços à população, principalmente  aos  moradores  do subúrbio e nos defrontamos com uma interpretação  do  direito  que  atende majoritariamente o ponto de vista da classe dominante. Mas podemos e devemos navegarem outros mares, pois acreditamos na mediação de conflitos fora da Justiça tradicional, que naufragou por se distanciar do porto seguro, da praia do povo e do mar cidadão.
Durante o período de preparação, observamos, em diversos encontros com a comunidade, o apoio voluntário de outros profissionais da área jurídica, que davam palestras sobre a temática da família, para um público cuja maioria eram mulheres marisqueiras.
Detectamos uma demanda significativa de  questões  relacionadas  a conflitos  familiares  (partilha de bens em  união estável, alimentos, investigação de paternidade, guarda de filhos e netos, violência doméstica contra a mulher)  e  dificuldade  na  resolução dos entraves burocráticos da área previdenciária.
Os encontros  serviram  de  ponto de  partida  para  o  projeto,  diante  da constatação  de  demanda  crescente de casos daquela natureza. Surgiu a idéia do Curso de Formação em Mediador Comunitário, para que os conflitos da comunidade de pescadores e marisqueiras pudessem ser encaminhados para a resolução pelos Mediadores Comunitários, com  uma  supervisão  geral do  coordenador do projeto.
Com esta fotografia da comunidade e como as instâncias formais da justiça não são capazes de suportar  as demandas  crescentes da parcela mais carente da população, e crendo na mediação comunitária como meio  eficaz  de  resolver  conflitos, a  par  da  responsabilidade  social  do cidadão e das instituições, é que nos engajamos no projeto, ressaltando que a nossa jangada ali chegou guiada por ativistas, que já se dedicavam àquela comunidade de pescadores.
O objetivo geral do projeto é levar às comunidades conteúdos da área de família, trabalho, saúde, questões da mulher, de educação, com ênfase nos direitos e garantias assegurados no art. 5º da Constituição Federal, possibilitando o exercício da cidadania frente aos órgãos públicos, com a instrumentalização de líderes da comunidade de pescadores e marisqueiras.
O instrumento desenvolvido é o Curso de Formação de Mediador Comunitário, para possibilitar à comunidade resolver seus conflitos, reduzindo a procura  aos  órgãos  do  sistema  de justiça (Defensoria Pública, delegacias, Ministério  Público,  Poder  Judiciário, etc.), além de reforçar a autoestima e confiança entre os seus próprios membros quando começarem a reconhecer a  capacidade  de  solucionar  os  seus problemas  com  um  instrumento  de conciliação desenvolvido com e paramarisqueiras e pescadores.
Buscamos referenciais teóricos para uma incursão segura na comunidade escolhida, sob o prisma da psicologia comunitária que ampliou a concepção de intervenção individual para o coletivo.
Com a idéia  pronta  e  o  projeto  de intervenção realizado, restava o batismo do projeto com o nome que traduzisse a ideia e os ideais. Assim, o nome “Jangadas da Cidadania”, foi o aprovado pela Colônia Z-67.
O projeto é realizado em  oficinas quinzenais,  com duração de quatro meses e meio e objetiva o desenvolvimento de competências para participação  da vida em sociedade, com  habilidades para resolução de conflitos relativos a direitos básicos do cidadão e também voltado para um pensamento reflexivo que qualifique a ação política, junto a lideranças de pescadores e marisqueiras.
                O  projeto  não  se  esgota  com  esta etapa  da  mediação  comunitária,  pois como o próprio nome do projeto sugere, a cidadania inclui diversos direitos e garantias que podem surgir em outras etapas .
                A esperança reportada nas palavras de Paulo Freire é a grande mola a impulsionar este projeto de conquista de direitos.

*Maurício Brasil, Juiz de direito na Bahia, membro do Conselho de Administração da AJD

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