Maurício Brasil *
“... me parece uma enorme contradição que uma pessoa progressista, que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa”
Paulo Freire.
Em janeiro de 2008, o núcleo baiano da Associação Juízes para a Democracia deliberou desenvolver projetos junto a comunidades carentes, para estreitar o laço do Poder Judiciário com a camada mais carente da população e daí vem o “Projeto Jangadas da Cidadania”, fruto de uma parceria com a Colônia Z-67, organização que foi criada inicialmente com 148 pessoas e conta com cerca de 1.000 associados, pescadores e marisqueiras, localizado no Bairro de Paripe, subúrbio ferroviário de Salvador-BA.
Encontramos um Poder Judiciário precarizado nos serviços à população, principalmente aos moradores do subúrbio e nos defrontamos com uma interpretação do direito que atende majoritariamente o ponto de vista da classe dominante. Mas podemos e devemos navegarem outros mares, pois acreditamos na mediação de conflitos fora da Justiça tradicional, que naufragou por se distanciar do porto seguro, da praia do povo e do mar cidadão.
Durante o período de preparação, observamos, em diversos encontros com a comunidade, o apoio voluntário de outros profissionais da área jurídica, que davam palestras sobre a temática da família, para um público cuja maioria eram mulheres marisqueiras.
Detectamos uma demanda significativa de questões relacionadas a conflitos familiares (partilha de bens em união estável, alimentos, investigação de paternidade, guarda de filhos e netos, violência doméstica contra a mulher) e dificuldade na resolução dos entraves burocráticos da área previdenciária.
Os encontros serviram de ponto de partida para o projeto, diante da constatação de demanda crescente de casos daquela natureza. Surgiu a idéia do Curso de Formação em Mediador Comunitário, para que os conflitos da comunidade de pescadores e marisqueiras pudessem ser encaminhados para a resolução pelos Mediadores Comunitários, com uma supervisão geral do coordenador do projeto.
Com esta fotografia da comunidade e como as instâncias formais da justiça não são capazes de suportar as demandas crescentes da parcela mais carente da população, e crendo na mediação comunitária como meio eficaz de resolver conflitos, a par da responsabilidade social do cidadão e das instituições, é que nos engajamos no projeto, ressaltando que a nossa jangada ali chegou guiada por ativistas, que já se dedicavam àquela comunidade de pescadores.
O objetivo geral do projeto é levar às comunidades conteúdos da área de família, trabalho, saúde, questões da mulher, de educação, com ênfase nos direitos e garantias assegurados no art. 5º da Constituição Federal, possibilitando o exercício da cidadania frente aos órgãos públicos, com a instrumentalização de líderes da comunidade de pescadores e marisqueiras.
O instrumento desenvolvido é o Curso de Formação de Mediador Comunitário, para possibilitar à comunidade resolver seus conflitos, reduzindo a procura aos órgãos do sistema de justiça (Defensoria Pública, delegacias, Ministério Público, Poder Judiciário, etc.), além de reforçar a autoestima e confiança entre os seus próprios membros quando começarem a reconhecer a capacidade de solucionar os seus problemas com um instrumento de conciliação desenvolvido com e paramarisqueiras e pescadores.
Buscamos referenciais teóricos para uma incursão segura na comunidade escolhida, sob o prisma da psicologia comunitária que ampliou a concepção de intervenção individual para o coletivo.
Com a idéia pronta e o projeto de intervenção realizado, restava o batismo do projeto com o nome que traduzisse a ideia e os ideais. Assim, o nome “Jangadas da Cidadania”, foi o aprovado pela Colônia Z-67.
O projeto é realizado em oficinas quinzenais, com duração de quatro meses e meio e objetiva o desenvolvimento de competências para participação da vida em sociedade, com habilidades para resolução de conflitos relativos a direitos básicos do cidadão e também voltado para um pensamento reflexivo que qualifique a ação política, junto a lideranças de pescadores e marisqueiras.
O projeto não se esgota com esta etapa da mediação comunitária, pois como o próprio nome do projeto sugere, a cidadania inclui diversos direitos e garantias que podem surgir em outras etapas .
A esperança reportada nas palavras de Paulo Freire é a grande mola a impulsionar este projeto de conquista de direitos.
*Maurício Brasil, Juiz de direito na Bahia, membro do Conselho de Administração da AJD
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