terça-feira, 19 de abril de 2011

RELATO SOBRE ESTÁGIO INTERDISCIPLINAR DE VIVÊNCIA

Alexandre Garcia Araújo (Xandó) *

Participei no período de 09 a 29 de Janeiro de 2011 do III EIV - Sergipe, Estágio Interdisciplinar de Vivência construído por estudantes e executivas de vários cursos (Agronomia, Direito, Medicina, História, Serviço Social, Biologia, Engenharia Florestal) em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. As pessoas que passaram a saber dessa experiência ficaram curiosas e me pediram para redigir um texto que relatasse um pouco do que passei, e do que é o EIV. Essa não é uma tarefa fácil, pois não envolve somente um relato de fatos, mas sim sentimentos, sensações e despertares. Ao ler este texto, tente abstrair um pouco dos pré-conceitos que todos nós trazemos, pois é justamente essa a intenção do EIV.

Meu nome é Xandó, sou estudante de Direito da UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), e vou começar explicando porque eu quis participar do EIV. Tudo começa com o despertar. Milito no Movimento Estudantil, e percebi que a minha luta contra esse modelo opressor de sociedade, que mercantiliza e sucateia a educação, não estava descolado das demais mobilizações sociais. Sai de casa com a idéia de que passaria alguns dias assistindo aulas, depois iria para uma área de reforma agrária, e voltaria para contar ao resto do grupo como foi. Ledo engano. 

O EIV é um mecanismo pedagógico que faz com que o estudante, habituado com os frios bancos universitários, possa entender que a teoria apreendida durante vários anos, pouco (ou nada) tem a ver com a realidade do povo explorado, que não tem acesso uma vida digna. Três princípios norteiam o EIV: a parceria, que se dá na relação do Movimento Estudantil com os Movimentos Sociais Populares; a interdisciplinaridade, que propicia o diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento, abrindo espaço para outros pontos de vista sobre determinados temas; e a não intervenção, que garante ao estudante dedicar-se apenas ao conhecimento da realidade vivenciada. (Trecho retirado do site da ABEEF – Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal <http://abeef.wordpress.com/eiv-estagio-interdisciplinar-de-vivencia/>).

Assim, durante a primeira fase (formação), nós, 42 estudantes dos mais diversos cursos (das Relações Internacionais à Engenharia Civil), ficamos no Centro de Formação Quissamã – MST,discutindo sobre educação, movimentos sociais, saúde, reforma agrária, agro-ecologia, América Latina, etc. e pudemos perceber como todas essas questões estão interligadas e contribuem para a manutenção da ordem e poder na mão das elites dominantes.Também passamos por um momento de re-educação, pois se queremos compreender, e ser povo, não podemos separar o trabalho intelectual do trabalho manual. Assim,divididos em núcleos de base com 7 integrantes, cumpríamos tarefas como lavar banheiros, louça, panelas, limpar os espaços, dentre outras. Nosso dia começava às05:30 e só terminava às 23:00. Geralmente ultrapassávamos esse horário com violões e conversas sobre mais um dia que passava e a expectativa da vivência que se aproximava.

A cabeça pensa aonde os pés pisam! Após 8 dias, fomos enviados em duplas ou trios para assentamentos e acampamentos do Estado de Sergipe. Fui para o Assentamento Nove de Junho – sertão sergipano. O termo acampamento designa a fase em que os trabalhadores ainda estão na beira da pista, debaixo dos barracos, esperando a desapropriação da terra. Já o assentamento ocorre quando há a emissão de posse e as famílias passam a ter seus lotes. Os assentados do Nove de Junho tinham um ano de posse da terra, desta forma, muitos ainda moravam em barracos, não havendo água encanada e restrição do acesso à luz. Banho de cuia e necessidades no mato: passei 10 dias assim com o companheiro Diego, de Agronomia da UNEB Juazeiro. À base de muito cuscuz, coração de boi, e galinhadas, trabalhamos duro: capinamos, ajudamos a levantar um barraco de taipa,catamos lenha, tiramos terra de barragem, dentre outras atividades cotidianas da vida do campesino. Não estávamos ali como turistas, mas como amigos que iriam ajudar no que fosse necessário. Em poucos lugares fui recebido tão bem como ali. Fizemos questão de deixar claro que não éramos diferentes de ninguém. Estudamos em universidades e temos modos de vida diferentes, mas não sabíamos mais do que ninguém ali. Pelo contrário, cada conversa de fim de tarde era um aprendizado impar.

Conheci a cultura do sertanejo,e constatei mais uma vez como é sofrida a vida do povo brasileiro. Vi como uma fazenda que antes pertencia a uma só pessoa, mudou a vida de 53 famílias, dando-lhes a perspectiva de uma real mudança social. Abandonei aquele discurso bonito que aprendemos na universidade, que o povo é explorado e dominado, e que só a educação pode resolver isso. Entendi que somente quando nos reconhecemos enquanto classe trabalhadora, é que percebemos que também somos explorados, e que quando temos o privilégio de nos formar em escolas custeadas pelo povo, e não fazemos nada para mudar essa realidade, ajudamos a manter esse modelo. Não existe neutralidade. Se você sabe da situação e não faz nada você também toma uma posição, que é a de deixar tudo como está. Um rio nunca passa duas vezes no mesmo lugar. O meu rio mudou e eu também mudei. Hoje, arregaço as mangas e procuro fazer valer o investimento que a população brasileira fez em mim, buscando esperança e mudança social de verdade,para esse povo que tanto necessita.

JUVENTUDE QUE OUSA LUTAR, CONSTRÓI O PODER POPULAR!!!

(Vídeo do EIV-BA que fala um pouco sobre o estágio: <http://www.youtube.com/watch?v=PtKdCzTmqpY&feature=player_embedded>)
 
 
* Alexandre Garcia Araújo (Xandó), Estudante de Direito na UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Coordenador do Centro Acadêmico Ruy Medeiros, Federação Nacional de Estudantes de Direito - FENED.
 

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