segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Mais Direito Penal tem representado mais criminalidade. Entrevista com o Juiz Marcelo Semer.

por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Correio da Cidadania.


Marcelo Semer é Juiz de Direito da 15ª Vara Criminal de São Paulo
e foi presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Além disso, é também escritor e articulista do site Terra Magazine.
 
Em meio aos intensos e polêmicos acontecimentos em torno do mensalão, e até mesmo do Código Florestal, a reforma do Código Penal em andamento no Congresso não tem encontrado espaço à altura de sua importância na mídia. Como resultado, um código que permeia todas estas discussões, e tantas outras estruturantes de nossa sociedade, poderá ser agora modificado de forma pouco transparente, diante da sua escassa visibilidade. E mais grave ainda que a falta de transparência, poderão decorrer graves retrocessos na reestruturação da Legislação Penal.
 
Para comentar o assunto, o Correio da Cidadania entrevistou o Juiz de Direito Marcelo Semer, ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. As suas apreciações não deixam dúvidas quanto à tradicional utilização do aparato jurídico em prol das classes mais poderosas. Não bastasse o fato de a própria lógica intrínseca do Direito Penal atuar em reforço da criminalidade, a atual reforma do Código Penal deverá intensificar esta regra, com a maior criminalização dos movimentos sociais e seletividade na utilização do aparato legislativo. “O problema de hoje no direito penal, e no sistema penal como um todo, é a seletividade, não a impunidade. As celas estão cada vez mais superlotadas, mas o pluralismo dentro delas continua exíguo. Isso é uma combinação da seletividade do direito (como a supervalorização da tutela da propriedade e do encarceramento dos entorpecentes), da fiscalização (prioridades da polícia) e dos instrumentos de defesa (desproporcionalmente distribuídos)”, avalia Semer. 
 
Quanto à descriminalização do porte de pequenas quantidades de drogas, um dos aspectos que têm tido maior visibilidade neste debate, Semer não está tão otimista. Acredita que a atual lei já reduziu bastante as penas do porte para uso e, mesmo assim, as cadeias seguem lotadas. “Acho que era preciso ser mais profundo na atenuação de pena do micro-traficante (que muitas vezes trafica para sustentar seu vício), pois é ele que está superlotando as cadeias sem nenhum reflexo na diminuição do comércio”, ressalta o juiz.

Fato é que o sensacionalismo em torno à ideia da impunidade e o forte apelo da noção do ‘poder punitivo’, que encontram acolhida fácil no grande público e vendem bastante jornal, têm sido até o momento o grande vencedor nas discussões e conceitos em torno ao novo Código Penal. Resulta novamente o entendimento rasteiro em torno aos grandes temas nacionais. Perde o Direito Penal e, mais ainda, a sociedade, à mercê das manipulações grosseiras, autoritárias e populistas, enquanto imagina estar a defender seus direitos e interesses.
 
Correio da Cidadania: O que você pensa, de forma geral, das atuais discussões quanto à alteração do Código Penal (CP)?

Marcelo Semer: O maior problema de hoje no direito penal, e no sistema penal como um todo, é a seletividade, não a impunidade. As celas estão cada vez mais superlotadas, mas o pluralismo dentro delas continua exíguo. Isso é uma combinação da seletividade do direito (como a supervalorização da tutela da propriedade e do encarceramento dos entorpecentes), da fiscalização (prioridades da polícia) e dos instrumentos de defesa (desproporcionalmente distribuídos). Mudar um Código Penal sem pensar em mudar tal quadro é apenas fazer uma “atualização” – esse é o problema central. Nos últimos anos, o encarceramento pelo tráfico de entorpecentes dobrou proporcionalmente em relação a outros tipos penais, desde a edição de uma lei que se presumia mais liberal. O que fazer, então? O projeto mantém a lei, incorporando-a ao Código Penal, praticamente inalterada. Existem, é verdade, alguns avanços, como uma diminuição de penas em certos crimes contra a propriedade, mas, de outro lado, um recrudescimento da execução penal tendente a aumentar fortemente a carcerização. Uma no cravo, outras na ferradura. O problema é que a comissão continua acreditando em demasia no direito penal e em seu valor simbólico e a expectativa de um direito penal eficaz – que pode “reduzir a criminalidade”. Nesse ponto, mantém um direito penal gigante e promete algo que certamente não vai entregar. Mas há absurdos como a tipificação tão ampla e genérica do terrorismo, que vai fortalecer, enormemente, a criminalização dos movimentos sociais. Sem contar o esvaziamento do processo como garantia, com a criação do instituto da barganha – que vem de outro direito com o qual o nosso não mantém similaridade.

Correio da Cidadania: Acredita que seja realmente importante e oportuna, neste momento, uma reforma no código em questão?
 
Marcelo Semer: Penso que o essencial é compreender os limites do direito penal e também o seu fator criminógeno – a multiplicidade das reincidências. Mais direito penal tem representado historicamente mais criminalidade, e não o inverso. A Lei dos Crimes Hediondos deu um exemplo primoroso. O crime aumentou e, de quebra, criamos um enorme problema com o encarceramento feminino e a estruturação de facções criminosas. Apagamos fogo com querosene. Vale a pena reformar o Código Penal se for para inverter essa lógica. Em caso contrário, não tem muita valia. Uma ou outra coisa de fato melhora, mas, de outro lado, com a reforma, incorporamos dentro do Código toda a legislação de emergência, tornando ainda mais difícil de revogá-la posteriormente. E a expansão do direito penal tem algo de perverso, pois acostuma a sociedade a um gradativo caminho para o autoritarismo.

Correio da Cidadania: Pensando em alguns dos temas mais específicos relativos ao novo código, a Lei de Execução Penal foi atualizada em 2011. Que relação pode ser feita entre esta atualização e o novo CP?

Marcelo Semer: Na área de execução penal, o código tem a sua pior faceta. Acreditou na mensagem de que “ninguém cumpre a pena toda” e recrudesceu o sistema progressivo, tornou inseguro o prazo para a progressão (com a inclusão de uma genérica cláusula de “grave lesão à sociedade”), dificultou a saída temporária (mesmo que a estatística de seu descumprimento seja irrisória) e fulminou com sursis e livramento condicional. Atendeu, enfim, ao reclamo midiático da “impunidade”. Com as cadeias já superlotadas, que mais se pode dizer?

Correio da Cidadania: O novo Código possui alguma discussão relativa à redução da maioridade penal?

Marcelo Semer: O projeto não mexe na questão da redução da maioridade, até porque se trata de matéria de natureza constitucional e, ao que pensam muitos, inclusive, imutável pela natureza de cláusula pétrea. Penso também que não há nada a ser mexido nesse particular. Trazer mais clientes para o direito penal é tudo que o sistema não precisa atualmente. Também deveria ter evitado a criação de tipos desnecessários (e ainda por cima mal definidos), criando a falsa impressão, recoberta pelo populismo, de que o direito penal vai resolver todos os nossos problemas. Isso deseduca e flerta com o autoritarismo.

Correio da Cidadania: Na esfera dos atos individuais, passíveis de punição, o porte, tráfico e uso de drogas é um dos aspectos que têm tido maior visibilidade. Como avalia a nova abordagem que se quer para este tópico, especialmente no que se refere à descriminalização do porte de pequenas quantidades?

Marcelo Semer: Sou plenamente a favor da descriminalização que o projeto faz e acredito que ainda é tímida, pois, ao mesmo tempo em que impede a punição pelo porte para uso pessoal, pune o uso “ostensivo”. É possível que se transforme naquelas mudanças que pouco mudam. A propósito, a atual lei de entorpecentes reduziu a quase nada a punição pelo porte para uso e, no entanto, poucos crimes levam tantas pessoas à delegacia quanto ele. Acho que era preciso ser mais profundo na atenuação de pena do micro-traficante (que muitas vezes trafica para sustentar seu vício), pois é ele que está superlotando as cadeias sem nenhum reflexo na diminuição do comércio. Se uma pessoa foi condenada anteriormente pelo porte para uso e venda de uma pedra de crack a fim de pagar a outra que usa, continuará cumprindo uma pena de cinco anos de reclusão. É razoável isso?

Correio da Cidadania: No que se refere ao aborto, não acredita que se trate de uma problemática que necessitaria de fóruns mais amplos de discussão, extrapolando o âmbito de um Código Penal? Como encara, de todo modo, o tratamento que pode acabar por ser dispensado a tema tão polêmico?

Marcelo Semer: Acho, particularmente, que a questão do aborto já vem sendo discutida há décadas. A criminalização do aborto, a meu ver, resulta em desprestígio da própria vida, pois não evita a prática dos abortos, mas põe sob risco enorme a saúde das gestantes economicamente vulneráveis. Para além das questões morais, que podem ter disciplina em outro canto, penso que aqui se trata de garantir ou não a vida – e a tutela abstrata da vida pela criminalização provoca mais mortes. Acho, entretanto, que a questão dificilmente será aprovada como propõe o projeto e, ao final, vai funcionar como um fogo de artifício.

 
Correio da Cidadania: A abordagem penal para os crimes ambientais tem sido avaliada por críticos e estudiosos como excessiva, por vezes superando em rigidez o próprio tratamento penal que envolve o ser humano. Como encara esta discussão e, especial-mente, o seu tratamento pelo Código?

Marcelo Semer: Uma das funções de uma codificação é resolver os problemas do balanceamento das penas. A edição de leis penais em momentos distintos, com interesses políticos e propósitos emergenciais, acaba por desfigurar a legislação penal. O Código, entretanto, se furtou a esse balanceamento e reproduziu o mesmo desequilíbrio. Por quê? Porque foi montado em comissões distintas, votado por partes, ao final mostrando faces divergentes em seus títulos. É um equívoco que beira a incoerência, marcado pela pressa e pela configuração de uma comissão com pensamentos bem contraditórios. E de novo a pergunta, por quê? Porque fazer o código está sendo mais importante que o conteúdo do próprio código. Muita vaidade e muito marketing a que o direito penal não pode ser relegado. Ele é muito mais importante do que esses interesses menores.

Correio da Cidadania: Como tem visto as discussões do tema na mídia?

Marcelo Semer: A mídia, em regra, estraçalha o direito penal, porque faz uma leitura sensacionalista. Cultua o punitivismo, exigindo sempre mais pena e lucrando com o comércio do medo. Ao final, oferece uma visão neoliberal de Estado mínimo no social e máximo no penal, que compromete qualquer esforço de contenção do poder punitivo, que deveria ser um de nossos principais objetivos. Assim, não creio que possa ter algum tipo de auxílio na produção de um texto coerente. No máximo, condicionar a ação de alguns autores. O que poderia significar, por exemplo, que o relator tenha dedicado o trabalho a duas vítimas menores de crime de repercussão?

Correio da Cidadania: E os partidos políticos, o que pensa do modo como têm travado os debates no Congresso e na sociedade?  

Marcelo Semer: Penso que os partidos têm uma visão muito estreita, em regra, do direito penal. Pouco que se distancie da visão oferecida pela mídia, inclusive no campo dito progressista. Existem diferenças, é verdade, entre a direita repressora e a esquerda punitiva, mas há pouca preocupação com as consequências de longo prazo que a codificação de uma criminalização extensa introduz na sociedade. De uma maneira geral, os partidos se mostram muito menos preocupados com o impacto dos temas jurídicos na sociedade do que deveriam.

Correio da Cidadania: Em palestra recente, o senhor afirmou que os debates sobre as leis penais costumam ser permeados pelo medo, sentimento inerente e alimentado pela humanidade e, principalmente, ideológica e interesseiramente apropriado pelos poderes dominantes de forma a satisfazer seus propósitos. O novo Código Penal traz, portanto, bastante deste contexto, não?

Marcelo Semer: Sim, a criminalização da milícia é um ponto. O projeto vende a versão de que tais crimes não são punidos por falta de instrumento legal – quando, na verdade, o que ocorre é falta de interesse pela vinculação do crime organizado com as estruturas de poder. E utiliza o medo como instrumento para criar experiências de direito penal máximo. O tipo do terrorismo é outra barbaridade. De um lado, ele invoca as “armas de destruição em massa” para fazer lembrar a doutrina Bush; mas, de outro, insere entre os atos de terror a “invasão de terras públicas ou particulares”. Dá para imaginar a quem se destina, não? O medo instrumentaliza a criminalização, inclusive dos movimentos sociais.

Correio da Cidadania: Faria, por sua vez, alguma associação entre os conteúdos em discussão para o novo Código e o momento econômico e político hoje vivido pelo país?

Marcelo Semer: Que o direito penal vai reduzir a criminalidade equivale ao triunfo da esperança sobre a experiência. Esse é o equívoco do direito penal da eficácia. A melhor política criminal é a redução das desigualdades. Esse é um propósito sobre o qual devemos pensar sempre, porque é emancipatório. O poder punitivo é um fato político, não vai deixar de existir. Mas quanto mais limitado for, tanto melhor. Fazer política com o direito penal resulta sempre em populismo. Se algo do momento atual interfere na produção, penso que é a influência excessiva da mídia e, da parte do projeto, sua total submissão à agenda dela.

Correio da Cidadania: Acaba de ser nomeado para o STF Teori Zavascki. O que pensa dessa nomeação? Faria alguma analogia entre a escolha do novo membro e o futuro desenrolar das discussões para o novo Código?

Marcelo Semer: Não discuto as credenciais do novo ministro. Acho, no entanto, que Dilma não tem se aberto a ouvir a sociedade civil, nem está preocupada com a pluralidade na composição do STF. A ideia de que ministros devem ter “perfil técnico” apenas escamoteia o conteúdo essencialmente político (embora não partidário) das decisões de cunho constitucional. O STF estava se impondo como a corte garantista do país. O julgamento do caso mensalão está representando uma guinada, e o esquecimento de nomes da área criminal pela Dilma mostra o absoluto desinteresse com a preservação das garantias. O que o futuro projeta, como resultado de tudo isso, é uma jurisprudência mais conservadora, o que no direito penal quer dizer mais presos.

Correio da Cidadania: Finalmente, o que deveria permear a elaboração de um Código Penal de fato moderno, avançado, a favor do propalado “bem comum” e da pacificação social?

Marcelo Semer: Em poucas palavras, um código menor. Que inverta o paradigma de seletividade (diminuindo a imensa tutela à propriedade), sem tantas concessões ao rigorismo, e que extirpe o que ainda resta de punição moral. Que não tenha como meta a “eficácia”, mas a garantia, para servir de controle ao poder punitivo.




terça-feira, 20 de novembro de 2012

O direito das minorias emergentes, dos conflitos e das lutas sociais. Entrevista com Antonio Carlos Wolkmer.

 

Antonio Carlos Wolkmer é um teórico do direito vinculado aos estudos sobre Pluralismo Jurídico. Advogado, Doutor em Filosofia do Direito e da Política pela UFSC, professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina, é autor de vários livros, dentre os quais "Fundamentos de História do Direito", "História do Direito no Brasil", "Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico" e “Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma Nova Cultura no Direito”.
  
Pergunta: O Pluralismo jurídico revela uma proposta singular para o momento atual. Qual é a base dessa proposta?
Antonio Carlos Wolkmer: Trata-se de uma proposta multidisciplinar que visualiza, como novo paradigma, um pluralismo jurídico-político, designado como "pluralismo comunitário-participativo", apto a reconhecer e legitimar emergentes normatividades extra e intra-estatais, engendradas no bojo de conflitos e lutas sociais, contradições e correlações de forças, reivindicações, carências e necessidades humanas.

Pergunta: A Justiça mostra os reflexos da crise contemporânea. Como isso ocorre no Brasil?
Antonio Carlos Wolkmer: A crise de identidade do Judiciário condiz com as próprias contradições da cultura jurídica nacional, construída sobre uma racionalidade técnico-dogmática e calcada em procedimentos lógico-formais, e que, na retórica de sua "neutralidade", tem sido incapaz de acompanhar o ritmo das transformações sociais e a especificidade cotidiana dos novos conflitos coletivos. Trata-se de uma instância de decisão não só submissa e dependente da estrutura de poder dominante, como, sobretudo, de órgão burocrático do Estado, desatualizado e inerte, de perfil fortemente conservador e de pouca eficácia na solução rápida e global de questões emergenciais vinculadas, quer às reivindicações dos múltiplos movimentos sociais, quer aos interesses das maiorias carentes de justiça e da população privada de seus direitos. A crise vivenciada pela Justiça oficial, refletida na sua inoperacionalidade, lentidão, ritualização burocrática, comprometimento com os "donos do poder" e falta de meios materiais e humanos, não deixa de ser sintoma indiscutível de um fenômeno mais abrangente, que é a própria falência de ordem jurídica estatal. O certo é que nos horizontes da cultura jurídica positivista e dogmática, predominante nas instituições políticas brasileiras, o Poder Judiciário, historicamente, não tem sido a instância marcada por uma postura independente, criativa e avançada em relação aos graves problemas de ordem política e social. Pelo contrário, trata-se de um órgão elitista que, quase sempre, ocultado pelo "pseudoneutralismo" e pelo formalismo pomposo, age com demasiada submissão aos ditames da ordem dominante e move-se através de mecanismos burocrático-procedimentais onerosos, inviabilizando, pelos seus custos, o acesso da imensa maioria da população de baixa renda.

Pergunta: Você afirma, em Pluralismo jurídico, que os movimentos sociais são uma fonte de produção jurídica. O que comprova essa relação?
Antonio Carlos Wolkmer: As fontes de produção jurídica que se estruturam em termos de um conteúdo (sentido material) e de uma configuração simbólico-cultural (sentido formal), reproduzem a manifestação de seres humanos inter-relacionados, que vivem, trabalham, participam de lutas e conflitos, buscando a satisfação de necessidades cotidianas fundamentais num interregno marcado pela "convivência das diferenças". Nestas condições, a produção jurídica não pode deixar de retratar o que a própria realidade dimensionaliza, bem como de corresponder às reais necessidades da sociedade em dado momento histórico, moldando-se à flutuações cíclicas que afetam também os demais fenômenos do mundo cultural (aspectos sociais, econômicos, políticos, éticos, religiosos, lingüísticos etc.). As transformações da vida social constituem, assim, a formação primária de um "jurídico’ que não se fecha em proposições genéricas e em regras fixas formuladas para o controle e solução dos conflitos, mas se manifestam como o resultado do interesse e das necessidades de agrupamentos associativos e comunitários, assumindo um caráter espontâneo, dinâmico e flexível. Esta concepção aqui partilhada afasta-se das expressões normativas pré-fixadas e abstratas, criadas e impostas, com exclusividade, pela moderna estrutura estatal de poder. A produção jurídica formal e técnica do Estado moderno só atinge parcelas da ordem social, achando-se quase sempre em atraso, relativamente às aspirações jurídicas mais desejadas, vivas e concretas da sociedade como um todo. Evidentemente, que o Direito projetado pela sociedade burguês-capitalista, corporificado pelo modelo de centralização estatal, impõe um rígido sistema de fontes formais caracterizado pela supremacia do Direito legiferado e escrito sobre o Direito consuetudinário e o Direito dos juristas, e pelo sufocamento e exclusão de práticas informais vinculadas ao Direito Comunitário autônomo. Parece claro, por conseguinte, que o problema das fontes do Direito numa sociedade determinada e historicamente concreta não está mais na priorização de regras técnico-formais e nas ordenações teórico-abstratas perfeitas, porém na dialética de uma práxis do cotidiano e na materialização normativa comprometida com a dignidade do novo sujeito social. Os centros geradores de Direito não se reduzem, de forma alguma, às instituições e aos órgãos representativos do monopólio do Estado, pois o Direito por estar inserido nas e ser fruto das práticas sociais, emerge de vários e diversos centros da produção normativa, tanto na esfera supra-estatal (organizações internacionais) como no nível infra-estatal (grupos associativos, organizações comunitárias, corpos intermediários e movimentos sociais). Portanto, o ponto de partida para a Constituição e o desenvolvimento do Direito vivo comunitário não se prende nem à legislação, nem à ciência do Direito e tampouco à decisão judicial, mas às condições reais da vida cotidiana, cuja real eficácia apóia-se na ação de grupos associativos e organizações comunitárias.

Pergunta: Revela-se interessante a sua abordagem sobre o pluralismo júridico na prática participativa. Como seria a síntese disso?
Antonio Carlos Wolkmer: O alargamento e consolidação do espaço público, de base democrática, pluralista e descentralizada, só se materializa com a efetiva participação e controle por parte dos agentes e grupos comunitários. Ademais, aquelas formulações, reivindicações e propostas sobre direitos, leis e justiça, que não são mais contemplados, eficaz e competentemente, pelos canais tradicionais da cultura jurídica estatal ou mesmo destituídos de sentido num novo paradigma, passam a ser criados e absorvidos por uma pluralidade de forças participativas insurgentes. As experiências e as práticas cotidianas dos movimentos sociais acabam redefinindo, sob os liames de um pluralismo político e jurídico comunitário-participativo enquanto condição paradigmática, um espaço que minimiza o papel do "institucional/oficial/formal" e exige uma "participação" autêntica e constante no poder societário, quer em nível da tomada e controle de decisões, quer em nível de produção legislativa ou da resolução dos conflitos. Por conseguinte, a "participação" propicia que a comunidade atuante decida e estabeleça os critérios do que seja "legal", "jurídico" e "justo", levando em conta sua realidade concreta e sua concepção valorativa de mundo.

Pergunta: O critério do justo pode ser estabelecido com unanimidade?
Antonio Carlos Wolkmer: Pode vir a ser defendido por todos? Na medida em que o critério do "justo" resulta daquilo que os grupos comunitários reconhecem como tal, correspondendo eficazmente aos padrões da vida cotidiana almejada pelas coletividades submetidas às relações de dominação, a noção de Justiça acaba se constituindo numa necessidade por liberdade, igualdade e emancipação.

Pergunta: Sob a ótica do pluralismo jurídico, o que se evidencia e pode ser precisado?
Antonio Carlos Wolkmer: Para se alcançarem as condições teóricas e práticas de supremacia do "direito justo", de uma juridicidade diferente, de se pensar o "novo" e a prática de uma legitimidade alternativa, é essencial operar com a estratégia de uma pedagogia emancipadora. Para isso, faz-se necessário desenvolver, também, processos nacionais direcionados a modificar e a conceber um novo espaço de convivência. Trata-se de construir uma racionalidade como expressão de realidade histórica enquanto exigência a afirmação da liberdade, emancipação e auto-determinação. Ora, somente uma ampla educação de base, a longo alcance, oferecerá elementos conscientes para propiciar outra racionalidade, configuradora do "novo" no Direito e na Sociedade, bem como instrumentará valores e modelos teóricos aptos para captar e expressar tais percepções. Trata-se de uma educação libertadora comprometida com a desmistificação e conscientização, habilitada a levar e a permitir que as identidades individuais e coletivas assumam o papel de novos sujeitos da história, fazendo e refazendo o mundo da vida cotidiana, a ampliando os horizontes do poder societário.

Fonte: Alfa-Omega

terça-feira, 13 de novembro de 2012

"Na verdade, o povo não tem poder algum". Entrevista com Fábio Konder Comparato.



  Fábio Konder Comparato,
Doutor em Direito pela Universidade de Paris, 
Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, autor do livro "Afirmação Histórica dos Direitos Humanos".

Para o jurista Fábio Konder Comparato, a imprensa alternativa pode contribuir para forjar uma mentalidade democrática enttre a população, acostumada com séculos de submissão. Reconhecido pela defesa das causas de movimentos sociais, como o MST, e crítico ferrenho da última ditadura civil- militar (1964-1984), o jurista Fábio Konder Comparato acredita que o Brasil ainda está longe de ser um Estado verdadeiramente democrático. De acordo com ele, os brasileiros ainda têm a mentalidade e os costumes marcados por séculos de escravidão e precisam se desvencilhar da submissão e passividade. Para tanto, segundo o jurista, é preciso ampliar a educação cívica e política e aproveitar ao máximo a imprensa alternativa para denunciar essa opressão.
Confira a entrevista exclusiva concedida ao jornal Brasil de Fato.
Brasil de Fato – Professor, no próximo ano a Constituição Federal completa 25 anos. Na sua avaliação o Brasil conseguiu alcançar um patamar de país democrático, que respeita os direitos sociais e as liberdades individuais, ou ainda há muita diferença entre o que está estabelecido na lei e o que está posto na prática?
Fábio Konder Comparato – Exatamente aquilo que acaba de dizer por último. Essa diferença entre o que está na lei e o que existe na prática não é de hoje, é de sempre. E o que caracteriza a vida política brasileira é a duplicidade, com a existência de dois ordenamentos jurídicos: a organização oficial e a organização real. E também no sentido figurado há duplicidade, ou seja, o verdadeiro poder é dissimulado, é oculto. Nós encontramos na Constituição a declaração fundamental no artigo 1º,parágrafo único de que todo poder emana do povo que o exerce diretamente por intermédio de representantes eleitos. Mas na verdade, o povo não tem poder algum. Ele faz parte de um conjunto teatral, não faz parte propriamente do elenco, mas está em torno do elenco. Toda a nossa vida política é decidida nos bastidores e para vencer isso não basta mudar as instituições políticas, é preciso mudar a mentalidade coletiva e os costumes sociais. E a nossa mentalidade coletiva não é democrática. O povo de modo geral não acredita na democracia, não sabe nem o que é isso. Não sabe que é um regime político em que ele tem o poder em última instância e que ele deve decidir as questões fundamentais para o futuro do país. Não sabe que ele deve não somente eleger os seus representantes, mas também poder de destituí-los. O povo não sabe que ele deve ter meios de fiscalização contínua dos órgãos do poder, não apenas do Executivo e Legislativo, mas também do Judiciário, que se verificou estar corrompido até a medula, com raras e honrosas exceções.
Jornal Brasil de Fato
E por que essa mentalidade?
Ora, essa mentalidade coletiva é fruto de quase quatro séculos de escravidão. Quando Tomé de Souza desembarcou no Brasil em 1549 trouxe o seu famoso regulamento de governo, no qual tudo estava previsto, mas só faltava uma coisa, a constituição de um povo. Havia funcionários da metrópole, havia um contingente de indígenas, havia o começo da escravidão, mas não havia povo. E nós não chegamos a constituir esse povo ao longo da nossa história porque o poder sempre foi oligárquico, ou seja, de uma minoria de grandes proprietários e empresários com apoio do contingente militar e da Igreja Católica. Assim nós chegamos ao século 21 numa situação de duplicidade completa. Todos acham que nós vivemos numa democracia e república, mas nós nunca vivemos de modo republicano e democrático. O primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador, apresentou uma declaração que até hoje permanece intocável, dizendo que nenhum homem dessa terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, se não cada um do bem particular. Não existe a possibilidade de democracia sem que haja uma comunidade em que o bem público esteja acima dos interesses particulares. E o chamado povão, as classes mais populares e humildes já trazem de séculos essa mentalidade de submissão, de passividade. Procuram resolver os seus problemas através do auxílio paternal de certos políticos ou através do desvio da lei. Nós vemos isso cotidianamente, nunca nos insurgimos contra uma lei que consideramos injusta, mas simplesmente nós desviamos da proibição legal.
E como mudar essa mentalidade, professor?
É uma boa pergunta, mas a resposta vai ser um tanto desalentadora. Essa mentalidade e costumes foram forjados por uma instituição política colonial, depois imperial e falsamente republicana, mas, sobretudo, pela vigência do sistema capitalista, que entrou em vigor no Brasil no ano do descobrimento. E o sistema capitalista tem essa característica específica, o poder é sempre oculto e dissimulado. Os grandes empresários dizem que não são eles que fazem a lei, mas na verdade são eles que fazem o Congresso Nacional. São eles que dobram os presidentes da República. E os grandes empresários atualmente são os grandes banqueiros, os personagens do agronegócio, os industriais e os grandes comerciantes. Agora, por exemplo, o Partido dos Trabalhadores (PT) acabou admitindo na esfera federal, porque não havia outro jeito, a aprovação de um novo Código Florestal que favorece abertamente os grandes proprietários agrícolas. Então veja, para mudar tudo isso é preciso um trabalho longo e contínuo de educação cidadã. Isto evidentemente a partir de um trabalho de contínua denúncia dessa situação oligárquica. Mas a denúncia dessa situação hoje na sociedade de massas passa necessariamente pelos órgãos de comunicação de massa que estão nas mãos dos grandes empresários. Então a situação é muito pior do que a gente poderia imaginar, mas o importante é não desanimar, não perder o impulso no sentido da denúncia completa. Nenhum sistema de poder permanece em vigor se é desmoralizado perante o público. Nós temos poucas possibilidades de desmoralizar o sistema capitalista, mas uma delas que temos que aproveitar até o fim é a imprensa corajosa e lúcida como é o caso de Caros Amigos e Brasil de Fato.
Para além da imprensa, o que os movimentos sociais e sindicais, que cumpriram um papel importante de desmoralização da última ditadura militar, poderiam fazer?
O grande problema dos sindicatos que se revelou hoje é que eles não têm espírito público. Eles defendem em geral muito bem os interesses da classe trabalhadora, mas muitas vezes os meios empregados para essa defesa vão contra o interesse público. Quero dar um exemplo que vai provocar um certo escândalo. Eu sou radicalmente contra a greve no serviço público porque o grande prejudicado não é o governo, é o povo. A greve foi um instrumento legítimo de defesa dos trabalhadores nas empresas privadas porque atinge diretamente os interesses dos empresários. No serviço público é diferente. Veja o que aconteceu nas Universidades Federais. Todas entraram em greve. Os alunos declararam greve. Ora, os alunos das Universidades Públicas têm o privilégio de não pagar mensalidades. E como é que são sustentadas essas Universidades? Com o dinheiro do povo, e digo mais, com o dinheiro do povo mais pobre porque 70% dos impostos desse país são indiretos, ou seja, quem tem menos paga mais. É por isso que nós precisamos ampliar a educação cívica e política no sentido amplo da palavra. Eu criei, juntamente com alguns companheiros, há mais de vinte anos a Escola de Governo. Foi apenas um início e eu gostaria que fossem multiplicadas as escolas de formação cívica. Na periferia é preciso multiplicar esse tipo de ensino para que o povo comece desde já a se revoltar. Se fulano vier pedir votos para vereador ou prefeito, é preciso saber quem é o fulano, quem o mandou, quem é o responsável por sua candidatura.
Hoje os trabalhadores menos precarizados do Brasil são justamente os servidores públicos porque têm condições reais de questionar a sua situação de trabalho ao enfrentar o seu patrão, que é o governo. Não seria um pouco radical não legitimar a greve no setor como instrumento de luta para conquistar e manter direitos?
Em primeiro lugar, a greve no serviço público não é tradicional, é muito recente. Em segundo lugar, ao invés da greve é preciso estabelecer instrumentos de proteção especial para os servidores públicos como, por exemplo, tribunais de arbitragem, estabilidade, garantia de aumento nos vencimentos pelo menos de acordo com o índice inflacionário e assim por diante. Tudo aquilo que é para favorecer os servidores públicos e lesa o patrimônio do povo deve, a meu ver, ser denunciado e banido. É uma questão que precisa ser mudada.
O senhor disse sobre a existência de oligopólio nas empresas de comunicação no Brasil. Se o Executivo, Legislativo e Judiciário não fazem nada contra algo que é proibido pela Constituição, que atitude o povo pode tomar?
Eu acho que cada um tem uma missão e particularmente acredito que cumpri a minha. Eu procurei o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propondo que se fizesse uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pela não regulamentação dos dispositivos constitucionais sobre os meios de comunicação de massa. O Conselho não aceitou. Então eu procurei o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que aceitou e a ação foi proposta, que é a ação de inconstitucionalidade por omissão número 10. Mas essa é uma medida meramente política. Do ponto de vista jurídico, o eventual ganho de causa não vai significar muita coisa porque dará uma recomendação ao Congresso Nacional para regulamentar a Constituição. Mas é preciso utilizar- se dessa ação para denunciar o controle que a mídia exerce sobre o Congresso Nacional. E exerce também sobre o Executivo porque o Advogado Geral da União que, de acordo com a lei, está sobre a imediata supervisão do Presidente da República, deu parecer contrário à ação.
Até hoje ainda existem instituições criadas pela última ditadura civil-militar como é o caso da Polícia Militar. E apesar das denúncias dos movimentos sociais e de estudantes sobre a violência sistemática cometida pela Corporação, parece que o Estado finge que não acontece nada. Diante disso, o que se fazer?
Bom, em primeiro lugar, não são todos os movimentos sociais que protestaram contra o morticínio [na chácara] de Várzea Paulista [no interior de São Paulo, onde policiais da Rota – Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar – mataram nove pessoas no dia 11 de setembro]. E eu fiquei surpreso com o fato da Arquidiocese de São Paulo ter protestado contra as declarações religiosas de um candidato a prefeito da cidade de São Paulo, mas não ter dito nada sobre esse morticínio planejado e executado friamente. Foram abatidas nove pessoas com 61 tiros. Não houve arranhão em nenhum policial militar. Pois bem, quero lembrar que a Organização das Nações Unidas acaba de se pronunciar insistindo na supressão da Polícia Militar. Esta é uma proposta que eu venho defendendo há vários anos pois não faz nenhum sentido a organização de uma polícia no estilo de forças armadas, porque isso é uma trágica herança do regime empresarial militar.


Fontes:

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A resposta penal é uma resposta absolutamente inadequada para o combate à criminalidade. Entrevista com Juarez Cirino dos Santos.

Pós-doutor em Política Criminal (Institut für Rechts und Sozialphilosophie, Universidade do Saarland, Alemanha) e professor da Universidade Federal do Paraná, Juarez Cirino dos Santos é pioneiro da criminologia crítica no Brasil. Transcrevemos abaixo duas entrevistas dele, uma deste ano de 2012 e outra do ano de 2008.

Juarez CirinoProfessor Juarez, carecemos de um novo Código Penal? O atual compilado vigente é anacrônico, desatualizado e está em sério descompasso com os princípios fundamentais destacados em nossa Carta constituinte?
Vamos ser claros: não existe nenhuma necessidade de um novo Código Penal. Mas é preciso responder por partes.Primeiro, a reforma da parte geral do Código Penal, onde estão os princípios de interpretação e aplicação da lei penal, é inteiramente desnecessária: apenas alguns ajustes na disciplina do erro de proibição e nas hipóteses de aplicação de penas restritivas de direitos – que poderiam ser feitas por uma simples alteração legislativa – e mais nada. Os princípios da parte geral não são anacrônicos, nem estão em descompasso com os fundamentos da Constituição Federal. Um exemplo pedagógico: o Código Penal alemão é de 1876, passou por profundas transformações nesses 136 anos de vida, mas manteve a estrutura original mediante inserções equilibradas de dispositivos e conceitos modernizadores, sem complicar a vida dos intérpretes e aplicadores do Direito Penal. Segundo, a reforma da parte especial, onde aparecem os crimes e as penas, era conveniente do ponto de vista da incorporação da legislação extravagante, mas a codificação dessa legislação deveria seguir princípios rigorosos, e não simplesmente despejar no Código Penal a legislação esparsa. Assim, o Projeto perdeu a oportunidade de fazer uma verdadeira reforma, mediante seletiva e humanista redução de crimes, extinção de penas e ampla desinstitucionalização do sistema penal. Do ponto de vista da Criminologia crítica, as linhas mestras de uma reforma da parte especial seriam as seguintes: primeiro, descriminalização das infrações penais de bagatela (crimes de ação penal privada, ou punidos com detenção ou com multa alternativa etc.), dos crimes qualificados pelo resultado, dos crimes de perigo abstrato etc., que devem ser expurgados do catálogo de crimes; segundo, despenalização mediante extinção do arcaico sistema de penas mínimas e redução das penas máximas (em especial, extirpando os crimes hediondos), porque a pena é criminogênica e as vítimas não estão interessadas em penas, mas em reparação do dano ou restituição da coisa, no modelo da justiça restaurativa; terceiro, desinstitucionalização mediante extinção dos inúteis manicômios judiciários, como fez a Itália com a Lei Basaglia, assim como mediante revitalização do sursis e do livramento condicional como fases de execução das penas fora das prisões, plenamente compatibilizáveis com as hipóteses de regime aberto – ao invés de extinguir esses substitutivos penais, como fez o Projeto.
Porque o senhor não foi convidado a integrar a comissão que elaborou o anteprojeto do Código Penal? A criminologia crítica, matéria que o senhor domina como poucos, poderia ter sido fonte de contribuição para o anteprojeto? De qual forma?
Os convites para integrar a Comissão de Juristas foram efetuados por políticos, segundo critérios partidários, regionais ou profissionais, recaindo sobre pessoas destacadas pela atuação no sistema de justiça criminal (Magistrados, membros do Ministério Público, Advogados), mas não incluiu nenhum grande penalista (como Juarez Tavares, UERJ), nenhum grande especialista em política criminal (como Nilo Batista, UERJ e UFRJ) e, sobretudo, nenhum grande criminólogo (como Vera Andrade, UFSC e Ana Lucia Sabadell, UFRJ). Não posso dizer porque não fui convidado, mas esclareço: se fosse convidado, não aceitaria. Afinal, minha concepção de política criminal estaria em franco antagonismo com a ideologia punitiva dominante na Comissão de Juristas, com uma ou outra exceção. Seria um esforço inútil. A Criminologia crítica poderia contribuir mostrando a necessidade de um Direito penal mínimo comprometido com a proteção de bens jurídicos individuais (vida, liberdade, integridade, sexualidade etc.), reduzindo a destruição social produzida pelo sistema penal, cuja função real é garantir a desigualdade social nas sociedades capitalistas. Mas essa contribuição ficaria reduzida ao nível do discurso, tendo em vista o caleidoscópio ideológico da Comissão de Juristas. Na prática, o resultado seria o mesmo: um Projeto construído na perspectiva de um Direito Penal máximo, bem na linha das políticas autoritárias e repressivas do capitalismo neoliberal.
O senhor participou no mês de julho de um encontro da Associação dos Magistrados do Paraná que debateu a política criminal. O senhor gostou dos debates? Como colocar em prática o que foi tratado no encontro?
Gostei muito do encontro e dos debates. O Colóquio de Criminologia e Política Criminal da AMAPAR, realizado em Foz do Iguaçu, se caracterizou pelo elevadíssimo nível científico e político-criminal das conferências e debates, com a participação de especialistas de renome universal – como Sebastian Scheerer e Jörg Stippel, da Alemanha – e a ampla contribuição crítica dos magistrados paranaenses, sob a direção competente de Fernando Ganem e a liderança de fato de Luiz Fernando Keppen. A realização prática dos temas tratados no encontro passa pela reflexão crítica dos magistrados, com o desenvolvimento de atitudes comprometidas com a democracia e os Direitos Humanos – aliás, como ficou amplamente demonstrado no Colóquio –, que devem marcar a práxis judicial no mundo contemporâneo.
Qual deve ser o papel do juiz para a efetivação de políticas criminais?
A sociedade brasileira precisa de Juízes que assumam a garantia constitucional de independência política em face dos demais poderes e garantam os princípios do Estado Democrático de Direito no processo penal. A independência política dos Juízes deve ser exercida em duas direções: primeiro, rejeitar a cooptação pelo Executivo para seus programas de política criminal, que exigem prisões temporárias, prisões preventivas, interceptações telefônicas e outras formas de vigilâncias sigilosas – fenômeno conhecido como executivização do Judiciário, ou seja, a convocação dos Juízes para legitimar a repressão antecipada da pobreza; segundo, assumir a função original de controle dos demais poderes: do Legislativo, mediante o chamado controle difuso e concentrado de inconstitucionalidade das leis penais, um fenômeno cada vez mais comum na globalização neoliberal; e do Executivo, na sua violência aberta contra o povo, com suas invasões bélicas de favelas e bairros pobres e matança em massa da população marginalizada. Nunca o povo precisou tanto de bons Juízes.A garantia dos princípios do Estado Democrático de Direitos tem por objeto geral os princípios do Direito Penal, como legalidade, culpabilidade, lesividade, proporcionalidade e humanidade, e por objeto específico os direitos do acusado no processo legal devido, como o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência, com sua dimensão processual do in dubio pro reo.
O senhor considera que atualmente vivemos a era do populismo penal? O quanto isso é gravoso e interfere na política criminal adotada no País? Os três poderes andam em descompasso no investimento, criação e aplicação de políticas criminais?
De fato, hoje vivemos uma era de intenso populismo penal, promovido e estimulado pelos meios de comunicação de massa, que condicionam e deformam a opinião pública com a ideia falsa de que os problemas sociais podem ser resolvidos com penas criminais – e não com políticas públicas que promovam os direitos fundamentais da população oprimida e reprimida da periferia. O resultado é o clamor punitivo dos segmentos mais massacrados e embrutecidos da população, que desconhecem a origem de sua vida de miséria e privação, mas votam em políticos oportunistas e demagogos que prometem mais penas, mais polícia, mais prisões – e exigem mais dureza e maior celeridade do Sistema de Justiça Criminal. Assim, a ideologia punitiva toma conta dos poderes Executivo e Legislativo, e encontra eco no Judiciário, cada vez mais aturdido por discursos repressivos de todos os lados. Nesse contexto, o Projeto de Reforma do Código Penal é a mais escrachada manifestação desse populismo penal. Não obstante, tem alguns méritos: a) a descriminalização da droga, no aspecto de posse (ou de cultivo de plantas) para consumo próprio; b) a descriminalização do aborto, em várias hipóteses importantes, como o aborto por vontade da gestante, até a 12a semana de gestação, se ausente condições psicológicas para a maternidade; c) a descriminalização da eutanásia em pacientes terminais, como ajuda passiva consentida pela vítima. Mas esses pequenos avanços não compensam os defeitos. Melhor deixar tudo como está.



[ 2008 ]


No início do mês passado, a sociedade curitibana chocou-se com o assassinato da professora da UFPR Maria Benigna de Oliveira, cometido por um jovem a três meses de completar 18 anos, o que o livrou de uma condenação mais grave, nos ditames do Código Penal. Não faltaram vozes pedindo a redução da maioridade penal, hoje de 18 anos. O que o senhor pensa a esse respeito?
Foi lamentável o que ocorreu com a professora, mas vivemos cercados desses fatos. Vivemos uma situação de violência generalizada, que tem suas raízes na própria violência estrutural, na estrutura social violenta, no sistema econômico-político violento, porque é fundado na desigualdade e na exclusão. Estamos produzindo milhões de marginalizados do mercado de trabalho, do processo de consumo e, conseqüentemente, da cidadania. São pessoas que vivem em condições subumanas de brutalização, de deformação, de embrutecimento e parece, portanto, que esse tipo de comportamento agressivo dessa população excluída pode ser tido como normal. Quer dizer, em condições sociais anormais, o crime é um fenômeno normal, a violência individual é um fenômeno normal. Assim, a questão da redução da maioridade penal é uma falsa questão. Pretende-se combater a questão da criminalidade com mais Direito Penal. Porque se reduzir a idade penal, vai se ampliar o Direito Penal, vai se ampliar a quantidade de pessoas que vão estar submetidas ao Direito Penal, que vão estar sujeitas à pena e à prisão. E a pena, o Direito Penal e a prisão, historicamente, são absolutamente um fracasso em termos de conter a criminalidade. Esse discurso, que é o discurso da teoria jurídica da pena, falando em prevenção especial, prevenção geral, em retribuição, não funciona. Essa é uma questão que está sendo colocada nos meios de comunicação, no próprio parlamento, nessas propostas de reforma do Código Penal, de modo inteiramente equivocado. Em princípio, porque não se entende o que seja imputabilidade penal. Esse juízo de reprovação é complexo e pressupõe a demonstração de certos requisitos mínimos, um deles é a imputabilidade. Aí estão parlamentares propondo a redução da idade penal, mas não sabem o que seja a imputabilidade. É óbvio – e esse é o único argumento que está na cabeça das pessoas – que um jovem de 16 anos sabe que matar é crime. Mas quando nós analisamos outros crimes, como os contra a administração pública, só para exemplificar, as pessoas já não têm a noção do que seja comportamento criminoso. Há uma infinidade de crimes que, para reconhecê-los como tais, seria preciso um mínimo de experiência, e um jovem de 16 anos não pode saber. Acho que nem o de 18 pode saber. Nessa dimensão de consciência, de conhecimento, que define a imputabilidade, começa a enorme dificuldade. Não se pode alterar a idade penal por causa disso. Mas tem um dado mais importante, que é a questão emocional. Porque a imputabilidade não se define só pela capacidade de compreender o caráter criminoso do fato, mas pela capacidade de determinar-se de acordo com essa compreensão. Portanto, a imputabilidade supõe essa capacidade de controle das emoções. E para controlar as emoções, nós precisamos de um mínimo de experiência de vida, de nos defrontarmos com situações em que essas emoções afloram e aí aprendermos a lidar com elas. Ou seja, um jovem de 16 anos, embora possa conhecer que determinados comportamentos são criminosos, tem uma imensa dificuldade e até uma impossibilidade de controlar essas emoções. Se não, daqui a pouco nós vamos punir criancinhas. E para quê? Nós já temos, afinal de contas, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece medidas sócio-educativas extremamente rigorosas: para determinados atos infracionais pode chegar a três anos de internação. E, para um jovem de 16 anos, ficar três anos internado é uma eternidade. Essa proposta de redução se insere na reação neurótica de tentar resolver o problema da violência individual com polícia, com Justiça, com prisão, e historicamente nós já verificamos que isso aí é um equívoco.
O ECA completa 18 anos neste ano. Quais os erros e acertos desse estatuto dos jovens?
O Estatuto foi criado segundo a inspiração mais democrática e seguindo as orientações mais modernas em matéria de legislação para a criança e para a juventude. Mas essa disciplina legal ficou na lei, porque ela não chegou a ser implementada na realidade. Primeiro, porque o Estado não dotou os poderes incumbidos de aplicar o ECA dos instrumentos administrativos e necessários para a implementação do Estatuto. Há uma série de questões que se poderia colocar, mas que a gente poderia resumir no seguinte: existem medidas sócio-educativas que não são privativas de liberdade, que seriam aquelas, na visão do Estatuto, que deveriam ser privilegiadas; e existem medidas sócio-educativas que são de semiprivação ou de privação de liberdade, o caso da internação, que seriam aplicadas só por exceção. Na prática, em face da ausência de estabelecimentos ou de mecanismos que permitissem a ampla aplicação do Estatuto, e também devido a uma compreensão deformada por parte das próprias autoridades incumbidas da aplicação do ECA, que levam para o Estauto uma visão própria do Direito Penal, acaba-se privilegiando as medidas privativas de liberdade, com conseqüências das mais terríveis para a juventude como um todo. Parece até que não só os juízes e o Ministério Público, mas o público em geral esqueceu que foi jovem um dia. Esqueceu que a infração para o jovem é um ato normal. É um fato normal da vida. E quem nega isso é porque ou perdeu a memória e não se lembra mais da sua juventude, ou é um hipócrita, porque está afirmando algo em que não acredita. Então, isso nos diz que nós devemos ter em relação à juventude uma atitude de grande compreensão, de grande carinho, e não uma atitude de repressão. Porque na medida em que optamos pela via mais grave, a internação, nós estamos construindo carreiras criminosas. O sistema de justiça criminal, o sistema de proteção dos atos infracionais, é criminogênico. Quem entra uma vez no sistema formal de controle está perdido, não tem mais nenhuma chance de reinserção social. O sistema perde as pessoas.
O Sr. fala de carreiras criminosas. Há indivíduos irrecuperáveis? O que fazer com eles?
Nós estamos tratando aqui da natureza humana. Estamos partindo do princípio de que existem pessoas que são boas, e que nascem boas, e que continuam boas, e nada as perverte. E existiriam pessoas que são más, nascem más, e nada as transforma em pessoas boas. Existem pessoas boas e más, e as más nós temos que excluir e as boas nós temos que privilegiar. Essa é uma idéia errada também. As pessoas não são boas ou más, as pessoas são feitas boas ou más. O homem não nasce com uma natureza dada. Não há os eleitos e os condenados, os que estão na felicidade e os que estão na miséria. O ser humano, na verdade, é o conjunto das relações sociais. Quando eu penso o ser humano como conjunto das relações sociais, eu estou inserindo o homem no contexto concreto da sua vida, e percebendo o nosso ser humano em uma sociedade como a nossa, que é uma sociedade desigual, que essa desigualdade é instituída constitucionalmente e reproduzida pelo Direito. Isso é importante destacar. A desigualdade não é um fenômeno natural. A desigualdade é instituída pela Constituição e reproduzida pelo conjunto do Direito, no caso do Direito Civil, do Direito do Trabalho, etc., e o que é pior: garantida pelo Direito Penal, pelo sistema da justiça criminal. Que desigualdade é essa? A desigualdade que decorre da relação capital X trabalho assalariado. Uma relação desigual cuja lógica significa concentração da riqueza e do poder num dos pólos da relação, que é o pólo do capital, e a generalização da miséria e da privação no outro pólo. Agora, nós vemos aqui nesse pólo do trabalho dezenas de milhões de pessoas que vivem com dificuldades fantásticas, vivendo com um salário, um pouco mais de um salário – e é impossível viver com R$ 400 por mês num país como o nosso –, e uma riqueza imensa do outro lado, que não é socializada. Agora, ainda assim, felizes dos que estão no processo de trabalho, que ainda estão integrados no mercado de trabalho e que têm um salário, uma moradia, apesar de viverem com uma dificuldade imensa. E os milhões que estão excluídos do processo de trabalho e não conseguem retornar, vão viver como? Eles não têm onde morar, não têm o que comer, não têm escola, não têm roupa, não têm perspectiva, não têm esperança, não têm família, não têm nem pai nem mãe. E esse pessoal? Imagine o ser humano que se forma. Então agora eu estou compreendendo o ser humano como a expressão desse conjunto de relações históricas, de razões sociais que o constitui. E aí, dentro de algum tempo, nós vamos encontrar aqui uma criança que nasceu com um potencial de desenvolvimento extraordinário transformada num animal, num sujeito inteiramente deformado, com o qual realmente é impossível conviver. Mas é culpa dele? Ele não gostaria de ter tido outra chance? Foucault tem uma passagem notável no livro Vigiar e Punir: ele coloca um juiz na frente de um réu e aí ele fica especulando e estudando as condições do réu, dizendo que se esse réu tivesse nascido nas condições daquele juiz, tivesse tido as chances que ele teve de se alimentar bem, de desenvolver o cérebro, de se escolarizar, de ter o apoio da família, ele seria um juiz e talvez estivesse julgando um réu. E se aquele juiz tivesse vivido nas condições desse réu, de marginalização, de exclusão, muito provavelmente ele estaria no lugar do réu, sendo julgado. Por quê? Porque o homem é esse conjunto das relações sociais, das relações históricas. Aí nós vamos ver que nós estamos produzindo essas pessoas, então nós somos responsáveis por elas também. Não as produzimos diretamente, porque não somos capitalistas, porque não temos uma grande empresa, porque não somo banqueiros, não somos industriais, não somos fazendeiros, mas somos responsáveis. Porque nós, nas escolas, nas faculdades, defendemos uma concepção de mundo que sustenta essa organização social. Na imprensa, defendemos um conjunto de valores que sustenta essa organização social. No parlamento, estabelecemos leis que instituem essa organização social. Ou seja, nós somos responsáveis por isso também. Como é que agora eu posso falar num sujeito irrecuperável, que eu preciso eliminar as maçãs podres, se fui eu quem as apodreceu. Essa maçã, em condições adequadas, poderia ser uma fruta muito bonita. Em uma sociedade desigual, violenta, como a nossa, não é possível você conter a violência individual com polícia. Isso se faz com políticas sociais, que não se realizam porque isso requer uma transformação, uma mudança na correlação de forças, que está na base da organização social e das relações de poder político que estão aí presentes e que se exprimem nessa legislação que institui a desigualdade, ou que garante a desigualdade. O Direito Penal entra aqui como uma garantia, porque o Direito Penal legitima a prisão, e é porque o Estado tem o poder de prender através do processo penal que se mantém essa organização social absolutamente injusta. Se não existisse o poder de prender, o que seria dessa forma de organização da sociedade?
 Por falar em prender, diversas prisões vêm sendo interditadas no Paraná. A situação é a mesma no resto do Brasil. E há quem proponha a construção de mais cadeias ou a privatização dos presídios...
Quanto mais cadeias construirmos, mais cadeias nós vamos encher. Essa que é a verdade. É que isso entra nessa concepção de política criminal em que se combate criminalidade com cadeia, punindo pessoas, privando pessoas de liberdade, utilizando o Direito Penal, enfim, para repressão. Combate-se a criminalidade com a repressão. Essa resposta é hoje quase neurótica, compulsiva, da humanidade capitalista. E no Brasil a tragédia ainda não é tão grande, em termos de encarceramento. Nos Estados Unidos, existem atualmente 2,5 milhões de pessoas literalmente atrás das grades, presas. Além dessas, existem mais cerca de 5 milhões de pessoas que são controladas indiretamente pela prisão, isto é, pelo probation, pelo parole, que correspondem lá ao nosso livramento condicional e à suspensão condicional da pena, mais ou menos isso. Então eles têm 7,5 milhões de pessoas. Nós estamos em torno de 400 mil, mas temos uma perspectiva de desenvolvimento muito grande: o futuro que nos aguarda é esse futuro norte-americano, que precisa construir uma nova prisão para mil homens a cada seis dias. A cada seis dias eles precisam de uma nova prisão para mil homens! Hoje eles já constroem a prisão sob a forma de fábrica, a forma ideal do capital, ou a fábrica sob a forma de prisão. É você ter ali o trabalhador aprisionado, que vive naquele espaço confinado e a única coisa que ele faz é utilizar sua energia produtiva para a produção de mercadorias. E hoje, por exemplo, algumas dessas empresas que estão investindo na indústria da prisão e do controle social nos Estados Unidos são as que mais crescem na bolsa norte-americana. E pensam que descobriram uma grande solução. É uma das sociedades mais violentas do mundo, não só internamente como externamente. Eles são o parâmetro, o padrão de violência. No Brasil, nós temos a mesma coisa, só que em ponto menor. E ainda acreditamos na pena como resposta para a questão criminal. As nossas prisões estão, evidentemente, superlotadas. Claro que seria preferível termos prisões com dois, três presos por cela do que uma prisão com 15, 20 presos por cela. As condições são absolutamente indignas, mas isso não quer dizer que se as condições fossem dignas a prisão funcionaria. Ela não funciona. Nem nos países centrais, onde as prisões são menos indignas. Nem assim. A prisão não funciona. E aqui não funciona e não vai funcionar nunca. Agora, devemos voltar as costas às prisões por causa disso, ignorar o que se passa lá dentro? Isso não é possível. Existe uma humanidade inteira: no Brasil, são mais de 400 mil presos. Os Estados Unidos têm mais do que a população de Curitiba dentro de cadeias. E sem resolver o problema criminal. E aí eu me pergunto: o que vamos fazer? Se eu estou convencido de que a resposta penal é uma resposta absolutamente inadequada para o combate à criminalidade, vou esquecer a questão das prisões? Não! É preciso mostrar isso ao público, mostrar que o sistema não funciona. Na verdade, não se trata de ressocializar através da prisão, mas nós temos que tratar de recuperar essas pessoas que estão lá apesar da prisão. É outra coisa. Não é através da prisão, porque com a prisão não se recupera nada, mas é apesar dela recuperar para a vida. São desprovidos de dinheiro, são ex-assalariados ou pessoas que nunca entraram no mercado de trabalho que estão lá. É preciso recuperá-los para a luta, para a transformação, para que eles compreendam qual é a origem da sua desgraça e que eles não podem resolver os seus problemas sozinhos, mas que se eles agirem coletivamente, eles podem transformar a sociedade, e reduzir o sofrimento da humanidade como um todo. Um trabalho de conscientização política, de organização dessa gente. Isso é possível, na medida em que partidos políticos despertassem para isso, em que sindicatos, organizações para a vida fora da prisão sentissem que poderiam desempenhar um papel nisso aí. Na verdade, não existe melhor cárcere. A proposta não é mais cárcere, mas mais menos cárcere. Vamos também contribuir para reduzir o drama terrível dos que estão lá, não porque queiram estar lá, mas porque na vida não tiveram alternativas diferentes de sobrevivência, foram captados na rede de controle e foram condenados. Como se lá estivessem todos os que praticaram crimes. A sociedade está cheia de pessoas que praticaram crimes. Ocorre que temos uma criminalidade que é reprimida, que é essa criminalidade que se produz por inquéritos, processos e cadeia, que é uma criminalidade convencional. E temos uma criminalidade das elites, que é chamada criminalidade econômica, contra o sistema financeiro, crimes contra a ordem tributária, etc., que faz parte daquele Direito Penal simbólico, que existe só para efeito retórico, de informar o discurso, porque não tem aplicação prática. E o legislador sabe que ele não funciona. E os juízes e os aplicadores do Direito Penal convencional são até enganados por isso. Dizem: “não, mas o Direito Penal é igual para todos”. Quer dizer, isso reduz aquela má consciência. É assim que funciona a lógica do sistema. Agora o discurso é outro. Quer dizer, o discurso é sempre um discurso encobridor, é um discurso que está nos mostrando uma realidade que não existe ou que está tentando nos convencer de uma coisa que é uma quimera. É um discurso que está nos meios de comunicação, que está nos livros de Direito, nas escolas, e nas faculdades de Direito, enfim, no discurso jurídico e nos tribunais. Essa é a tragédia.
E o que dizer da privatização das prisões?
Eu vou te dizer: essa questão da privatização das prisões é outro grande equívoco. Nós tivemos um período de privatização de prisões que vem do século 19 até o começo do século 20. E aí havia uma grande euforia em ter prisões privadas, especialmente nos Estados Unidos, que era então uma nação de grande progresso. E a experiência americana mostrou uma série de questões que até então não se sabia. Primeiro, que no âmbito do mercado de trabalho, a indústria que funcionava na prisão produzia uma mercadoria, por causa dos baixos salários, que sempre são inferiores, a preços mais competitivos que um concorrente fora da prisão. E aí a mercadoria da prisão quebrava a indústria fora da prisão. E começou a haver oposição dos sindicatos, porque os seus associados estavam perdendo o emprego. E veio a pressão política e a questão da privatização das prisões deixou de parecer aquela solução para a questão, inclusive com a verificação de que no trabalho da prisão ocorria uma super-exploração da força de trabalho, até com destruição da força de trabalho. Então isso produziu alguns escândalos e, no começo do século 20, aboliu-se completamente o sistema de prisões privadas, que retornaram na época do Reagan. Antes, veio o New Deal, Roosevelt, a questão da socialização, a política do bem estar social, a preocupação com seguridade social, de proteção, que não resolvem o problema da pobreza, mas atenuam um pouco. Mas na época Reagan acabou-se com o Estado de bem estar social, que foi substituído pelo Estado Penal, o estado da repressão e aderiu-se a uma política de criminalização da pobreza e de prisionalização da pobreza. Quer dizer, os Estados Unidos conseguiram reduzir os níveis de desemprego colocando os desempregados na prisão. Aquela política da tolerância zero, aquilo tudo vem na época do Reagan e aí começa uma nova fase de prisões, de prisões-empresas, de fábricas como prisões e que era diferente. Anteriormente, o Estado tinha seus condenados e aí chegava a empresa privada e dizia: “olha, nós queremos tantos aí para trabalhar”. E até ocorriam certas coisas esquisitas, porque falava-se que para recuperar era preciso que ele ficasse muito tempo trabalhando e então era importante que os juízes dessem penas longas, influenciando até o poder judiciário, no sentido de aumentar as penas para garantir uma exploração mais longa do condenado. Enfim, abandonou-se isso e, no período Reagan, a coisa veio com outro modelo: os empresários começaram a construir prisões que eram fábricas e chegaram para o governo dizendo “olha, nós temos aqui uma prisão que está prontinha, com todos os médicos, os psicólogos, os sociólogos, as assistentes sociais e os policiais e só estamos esperando os presos. E o senhor está com um problema de superlotação”. Mas que grande solução. E aí começou a indústria da prisão. Agora, eles constroem a prisão, controlam a segurança, a disciplina, e administram a pena. O que vai ser o futuro? Vamos criar um arquipélago carcerário? Em que existem apenas alguns felizardos e o resto da sociedade está enclausurada para trabalhar? É esse o tipo de sociedade que nós queremos? É esse o tipo de organização social que queremos para os nossos filhos? Isso não é possível. Eu até defendo que o preso tem que trabalhar, porque trabalhando ele cumpre sua pena melhor, mas o único patrão que ele pode ter é o Estado. Por quê? Porque o Estado é controlado. É controlado pelo Ministério Público, é controlado pelo Parlamento, é controlado pelo povo, tem instituições específicas de controle. Aqui no Paraná, nós vivemos umas experiências assim, começaram em Guarapuava, que foi uma das primeiras prisões privadas do país. Felizmente, isso foi abolido.
 E o que o Sr. pensa de monitoramento eletrônico dos presos, outra moda norte-americana que chegou aqui?
Isso não serve para nada. Só serve para expandir a noção de que com repressão e controle puro e simples se combate a criminalidade, quando esta é uma questão só de redução das desigualdades sociais e de uma redistribuição da riqueza, das oportunidades de vida, de democratização da sociedade. A grande resposta para a questão criminal é a democracia, mas democracia real, não no sentido formal. Claro, a democracia formal é um caminho, nós saímos de uma ditadura, quando não havia democracia formal, nós saímos de um período em que você não tinha liberdades democráticas. Eu vivi esse horror. Agora, o que precisamos é uma democracia real no sentido de permitir que o mais humilde cidadão tenha onde morar, tenha trabalho, tenha onde estudar, tenha garantia de saúde, tenha uma perspectiva e um futuro. Aí sim. Por que nas sociedades centrais, nos países centrais, a violência social é muito menor? Porque eles resolvem os seus problemas sociais exportando-os para a periferia. Nós, da periferia, terceiro mundo, é que garantimos essa relativa estabilidade dos países centrais. Não que eles tenham eliminado a violência. O problema na Alemanha, por exemplo, é seriíssimo. Eu estou traduzindo um livro de criminologia do Albrecht, um dos maiores criminólogos da atualidade, que mostra o que é o drama nas prisões alemãs, da criminalidade na Alemanha.
As penas alternativas são uma solução?
Qualquer coisa que não seja pena privativa de liberdade é boa. É óbvio que penas alternativas, na medida em que não representam privação de liberdade, não destroem uma vida e nem uma família, mas permitem alternativa de sobrevivência, são sempre preferíveis a uma pena privativa de liberdade. Agora, não resolve o problema da criminalidade. E não é por aí que nós vamos resolver o problema da criminalidade. É preciso entender que o problema da criminalidade é um problema de democracia, democracia real. Não se resolve criminalidade com polícia, com Justiça, com prisão.
O Sr. é a favor ou contra a revista dos advogados nas entradas dos presídios?
Eu acho que nós temos que adotar medidas que preservem a dignidade do ser humano, sobretudo a dignidade do profissional. A OAB é uma instituição de muita seriedade e os advogados, em sua imensa maioria, são pessoas absolutamente preocupadas com os problemas sociais e com a questão da justiça. E não é porque, de repente, tem um ou outro ruim que agora eu vou submeter o conjunto da categoria a esse tipo de vexame. Eu sou absolutamente contra esse tipo de revista. Nós temos que apostar na democracia, na preservação dos direitos humanos, da dignidade humana, e aceitar os pequenos contratempos que isso pode criar, mas isso não justifica adotarmos medidas autoritárias e humilhantes como essa.
Tem se falado muito em mudanças na legislação penal. O que o senhor pensa dos nossos códigos?
Em primeiro lugar, o Código Penal, como os outros códigos, corresponde a um determinado tipo de organização social. A organização social na qual nós estamos vivendo é a organização social capitalista. E, desse ponto de vista, o Código corresponde inteiramente às necessidades de uma sociedade capitalista: isto é, uma sociedade de proteção do capital contra o trabalho. E não se pode dizer que o nosso código seja antigo, porque data de 1940. A parte especial, que define crimes e penas, vem sendo constantemente modificada, novos crimes vêm sendo acrescentados, além da legislação complementar – como as leis que estabelecem crimes contra o meio ambiente e a ordem tributária, por exemplo. Inclusive, isso é um problema, porque deveria estar tudo no Código.
O que mudar no Direito Penal, então, para que a situação melhore?
A mudança não é na direção em que aparece em reivindicação na imprensa, por exemplo, ou mesmo nas faculdades. A mudança é na direção daquilo que a criminologia crítica, que é na verdade a única criminologia que existe, porque a criminologia etiológica é uma bobagem, aquilo que a criminologia crítica propõe: de reduzir o Direito Penal à proteção de bens jurídicos individuais, por exemplo a vida, a liberdade, a integridade, a saúde corporal, a sexualidade, e abandonar esses crimes contra a fé pública, crimes contra o meio ambiente, tirar isso. O Direito Penal não tem nada que fazer aqui. E cria-se uma falsa idéia de solução, porque quando o poder não sabe o que fazer, ele criminaliza. “Ah! Resolvemos, criminalizamos”, mas aí você enterrou o problema! Quer dizer, quando o problema requer medidas administrativas e ação de um outro instrumental institucional à disposição do Estado, ele fica simplesmente com a pena. E a criminologia crítica está dizendo que nós temos que reduzir. A grande proposta é o direito penal mínimo. O Direito Penal tem ainda uma função social a cumprir, evidentemente, na proteção da vida, na proteção da integridade corporal, na proteção da sexualidade. Mas aí nós estamos reduzindo o Direito Penal àquela área mínima de alguns bens jurídicos que efetivamente necessitam de proteção penal. E aí nós vamos deixar de ter o Direito Penal da forma como é hoje: nós penalizamos tudo! O povo apóia porque o povo que não percebe a origem do seu sofrimento, especialmente esse povo trabalhador, que pega o ônibus às cinco da manhã para chegar as oito na fábrica, chega tarde em casa e ainda tem que comer mal, esse povo é profundamente intolerante em relação a esses marginalizados que adotam meios ilegítimos de sobrevivência, mas aí vem a questão: e quem não tem meios legítimos, como é que vai sobreviver senão adotando meios ilegítimos? E aí os caras vão para o mercado da droga. Por quê? Porque não tem lugar no mercado formal.
Por falar em drogas, o senhor é a favor da legalização?
Eu sou absolutamente a favor da legalização, isto é, da descriminalização, como estão fazendo os países centrais. E nós aqui no Brasil, quando tentamos descriminalizar a questão do uso da droga, da posse de droga para uso próprio, houve uma reação norte-americana imediata de ameaça de retaliação, porque eles não permitem. Não se percebe que a droga hoje é um dos grandes mecanismos do poder norte-americano de controle do planeta, através da política das drogas, que eles impõem a todas as políticas criminais de todos os estados. E aqui no Brasil nós não podemos descriminalizar. Criamos um problema insolúvel porque temos uma questão idiota que fala de drogas lícitas e drogas ilícitas. Nós temos o álcool e temos o fumo, que são drogas lícitas porque pertencem às grandes empresas produtoras, que não têm o controle das plantações de maconha, de coca, etc. Se tivessem, eles legalizavam. Vamos acabar com esse problema. E não adianta, mais cedo ou mais tarde, a humanidade vai ter que conviver com as drogas ilícitas, encontrar uma forma de conviver com as drogas ilícitas, como teve que encontrar com o álcool – não adiantou a Lei Seca norte-americana. E aí despenalizaram a questão do álcool, mas já criminalizaram das outras drogas que não são comercializadas pelas grandes empresas. E criaram um problema insolúvel para países como o Brasil, em que quase a metade da população das prisões está por fatos delituosos relacionados à questão da droga. A experiência da Holanda, que descriminalizou a droga, mostrou o seguinte: que após a legalização, o consumo não aumentou nada. E com isso o que eles ganharam? Eliminaram o problema criminal da droga. É como se criminalizássemos todos os alcoólatras aqui e agora. Os alcoólatras vão continuar bebendo. A grande questão da droga é a seguinte: pesquisas mostram que a criminalização da droga interessa, sobretudo, a quem produz a droga, a quem comercializa a droga, e a quem reprime a droga, isso é, às polícias que reprimem a droga. Porque a criminalização da droga significa, imediatamente, o crescimento no mercado no valor do produto na razão de um para mil. Ou seja, a criminalização cria um grande negócio. E se você descriminaliza, o preço vem para baixo e desaparece esse grande negócio.
A criminologia crítica sugere a abolição do sistema penal. Isso não é utópico?
Em princípio é preciso que se diga que eu sou um abolicionista. E todo o criminólogo crítico é abolicionista. Agora, eu não acredito e acho que é absolutamente impossível a abolição do sistema penal no capitalismo. Por quê? Porque o capitalismo depende do sistema penal para sobreviver. O sistema penal é a proteção armada do capital. O capitalismo não pode sobreviver sem o sistema penal. Então a abolição do sistema penal passa pela abolição do sistema capitalista. Isto é, pela superação desse tipo de organização social na direção de uma outra que não precise criminalizar para sobreviver. Isto é uma questão importante. Então, qual é a minha proposta para o capitalismo? Para a questão do sistema de justiça criminal e do Direito Penal é o que eu já falei do Direito Penal mínimo, reduzir o Direito Penal a um mínimo indispensável, o que vai ter reflexos imediatos em todo o sistema carcerário, porque tem muita gente aí presa por nada, até mesmo um grande número de pessoas que foram presas porque não tiveram defesa. Então essa questão da redução do Direito Penal a um Direito Penal mínimo é a primeira proposta. A segunda é trabalhar no sentido da transformação da sociedade, porque também não adianta você reduzir o Direito Penal ao mínimo e não trabalhar na direção de uma transformação estrutural da sociedade, no sentido de instituir maiores níveis de democracia, o que vai refletir também nos índices de criminalidade, portanto na necessidade de prisões. A questão do crime não se resolve mesmo com o Direito Penal e nem com prisão, nem com polícia, mas se resolve com a democratização das relações sociais.
Existe crime organizado?
Ninguém sabe o que seja crime organizado. Em primeiro lugar, ninguém nega a existência de quadrilhas. Quadrilhas existem em todos os países capitalistas, em todos os países existem quadrilhas. São reuniões de pessoas que praticam crimes. Agora, crime organizado absolutamente ninguém sabe o que seja. Essa que é a verdade. Já se realizaram dezenas, centenas de congressos internacionais sobre o crime organizado. Não se conseguiu uma definição de crime organizado. Aliás, para você ter uma idéia, existe 20 e tantas definições diferentes de crime organizado. Ou seja, ninguém sabe o que seja isso. Então, como é que eu posso punir a questão do crime organizado? A primeira coisa do crime organizado é que ele é um mito. Agora, esse mito é muito importante para o sistema, porque na medida em que o sistema político, o sistema de poder, fala em crime organizado ele explora o medo da população. Não se demonstrou nenhuma vez a existência de uma estrutura secreta que se parecesse com um estado dentro do estado. Mas o fato é que isso tem um poder no discurso porque funciona como uma escusa para todos os fracassos do governo. “Olha, nós não estamos resolvendo o problema da fome, da miséria, do desemprego, da escolarização, da saúde, mas estamos lutando contra o crime organizado”. Nós lutamos contra um fantasma, porque ninguém sabe o que é esse crime organizado. Por outro lado é uma noção absolutamente inútil, porque em todos os Códigos penais existe uma norma que define o crime de quadrilha ou bando, que é inteiramente aplicável a essa questão do crime organizado. Na verdade, o grande crime organizado é o capital.
O que é, resumidamente, a Criminologia Crítica que o Sr. defende?
A criminologia crítica é um sistema de compreensão do problema do crime e do controle social que se caracteriza pelo abandono das explicações etiológicas ou causais de que existem sujeitos que nascem criminosos, o criminoso nato, o criminoso por tendência, para mostrar que o crime é uma realidade construída socialmente. Ou seja, em linhas gerais, ela deixa de tratar a criminalidade como uma realidade ontológica, pré-existente, a criminalidade como criminalidade, para tratar a criminalidade como criminalização. Volta os olhos para o sistema de justiça criminal. Primeiramente, não existe crime sem que o sistema de justiça criminal defina comportamentos como criminosos. Na medida em que ele define comportamentos como criminosos aquilo passa a ser criminalizado. E o criminoso é aquele sujeito que o sistema de justiça criminal diz que é criminoso. E aí o Poder Judiciário funciona seletivamente. Trabalhamos até com certos mecanismos psíquicos que funcionam na psicologia dos aplicadores do Direito, que determinam o resultado da aplicação do Direito. Por exemplo, nós achamos que o Direito se aplica segundo certas regras de interpretação como, por exemplo, a literalidade, o critério sistemático, o critério teleológico, e não percebemos que a aplicação do Direito é um ato profundamente emocional e que está ligado ao background psíquico do aplicador do Direito, que vem do seu passado e que é representado por preconceitos, estereótipos, traumas, experiências e um conjunto de idiossincrasias pessoais dos aplicadores do Direito e também por todas as deformações ideológicas na compreensão dos fatos da vida. Quer dizer, nós estamos chamando atenção para o fato de que o crime não pode ser entendido como uma realidade objetiva, pré-existente, mas como uma realidade construída. Estamos mostrando que juízes e tribunais produzem o fenômeno do crime, produzem o fenômeno da criminalidade. E aí nós estamos vendo a criminalidade do ponto de vista da criminalização. Então a criminologia crítica veio mostrar, sobretudo, essa seletividade do sistema da justiça criminal. E para explicar a seletividade, deu de cara com o poder, com o poder legislativo, judiciário e executivo. Mas não se limita ao funcionamento das instituições jurídicas e políticas do Estado. Dessa estrutura das relações sociais, vai mostrar que a gênese de todo comportamento anormal na sociedade está nesta relação fundamental desigual representada pelo capital X trabalho assalariado, e daí vai trabalhar com isso. Que dizer, não se separa as instituições, as estruturas, mas mostra-se a correlação entre as estruturas e as instituições como compondo uma unidade. A criminologia crítica nos abre a visão, a compreensão, para essa unidade entre o poder econômico, o poder político, as relações de poder e o Direito, essas dimensões da vida.
E as propostas da Criminologia Crítica caminham para a abolição do sistema criminal...
As propostas da criminologia crítica caminham naquela direção, mas destacando sempre que não é possível resolver o problema da criminalidade sem resolver o problema da democracia e que alguma esperança, se existe, está na transformação desse tipo de organização social por uma outra mais igual.
Fontes: