terça-feira, 4 de dezembro de 2012

EM MEMÓRIA DO BAIANO CARLOS NELSON COUTINHO (1943-2012)

  


Nascido em Itabuna, no interior baiano, em 1943, Carlos Nelson Coutinho estudou filosofia na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e foi professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dentre outras obras, escreveu o clássico ensaio "A Democracia como valor universal", de 1979, texto marcante no debate sobre a teoria política em nosso país.

Sua obra mais importante, no entanto, foi seu destacado papel na divulgação entre nós das obras de Gramsci, uma das principais referências teóricas do pensamento de esquerda no Brasil nas últimas décadas.  

Reverenciando a memória desse grande intelectual, o Blog da AJD-BA posta abaixo entrevista de Carlos Nelson Coutinho à revista Caros Amigos, publicada em dezembro de 2009, e um manifesto de homenagem assinado por seus amigos baianos após seu falecimento, em setembro de 2012.




“SEM DEMOCRACIA NÃO HÁ SOCIALISMO,
E SEM SOCIALISMO NÃO HÁ DEMOCRACIA”


Carlos Nelson Coutinho, um dos intelectuais marxistas mais respeitados do Brasil, recebeu a Caros Amigos em seu apartamento no bairro do Cosme Velho, Rio de Janeiro, para uma conversa sobre os caminhos e descaminhos da esquerda brasileira, sua decepção com o governo Lula e as possibilidades de superação do capitalismo.

Estudioso de Antonio Gramsci, Coutinho defende a atualidade de Marx e reafirma o que disse em seu polêmico artigo “Democracia como valor universal”, publicado há 30 anos: “Sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia”.
  
Hamilton Octávio de Souza - Queremos saber da sua história, onde nasceu, onde foi criado, como optou por esta carreira.

Caros Nelson Coutinho - Nasci na Bahia, em uma cidade do interior chamada Itabuna, mas fui para Salvador muito pequenininho, com uns 3 ou 4 anos. Me formei em Salvador, e as opções que eu fiz, fiz em Salvador. Eu nasci em 1943, glorioso ano da batalha de Stalingrado. Me formei em filosofia na Universidade Federal da Bahia, um péssimo curso, e com meus 18 ou 19 anos sabia mais do que a maioria dos professores. Meus pais eram baianos também. Meu pai era advogado e foi deputado estadual durante três legislaturas da UDN. Publicamente ele não era de esquerda, mas dentro de casa ele tinha uma posição mais aberta. Eu me tornei comunista lendo o Manifesto Comunista que o meu pai tinha na biblioteca. Ele era um homem culto, tinha livros de poesia. Minha irmã, que é mais velha, disse que eu precisava ler o Manifesto Comunista. Foi um deslumbramento. Eu devia ter uns 13 ou 14 anos. Aí fiz faculdade de Direito por dois anos porque era a faculdade onde se fazia política, e eu estava interessado em fazer política. Me dei conta que uma maneira boa de fazer política era me tornando intelectual. Aos 17 anos entrei no Partido Comunista Brasileiro, que naquela época tinha presença. O primeiro ano da faculdade foi até interessante porque tinha teoria geral do Estado, economia política, mas quando entrou o negócio de direito penal, direito civil, aí eu vi que não era a minha e fui fazer filosofia.

Renato Pompeu - Mas quais eram as suas referências intelectuais?

Em primeiro lugar, Marx, evidentemente, mas também foram muito fortes na minha formação intelectual o filósofo húngaro George Lukács e Gramsci. Eu tenho a vaidade de ter sido um dos primeiros a citar Gramsci no Brasil, porque aos 18 anos eu publiquei um artigo sobre ele na revista da faculdade de Direito. Aí eu vim para o Rio e fui trabalhar no Tribunal de Contas. Me apresentei ao João Vieira Filho para trabalhar e ele me falou: “meu filho, vá pra casa e o que você precisar de mim me telefone”. Eu fiquei dois ou três anos aqui sem trabalhar, mas a situação ficou inviável. Pedi demissão e fui, durante um bom tempo, tradutor. Eu ganhava a vida como tradutor, traduzi cerca de 80 ou 90 livros. Em 76, eu fui para a Europa. Passei 3 anos fora, não fui preso, mas senti que ia ser, foi pouco depois da morte do Vlado. Então morei na Europa por três anos, onde acho que aprendi muita política. Morei na Itália na época do florescimento do eurocomunismo, que me marcou muito. O primeiro texto que publiquei é exatamente este artigo da “Democracia como valor universal” que causou, sem modéstia, um certo auê na esquerda brasileira na época. Até hoje há citações de que é um texto reformista, revisionista. Enfim, voltei do exílio e entrei na universidade, na UFRJ, onde eu estou há quase 28 anos. Passei por três partidos políticos na vida. Entrei no PCB, como disse antes, aos 17 anos, onde fiquei até 1982, quando me dei conta que era uma forma política que tinha se esgotado. Nesse momento, surge evidentemente uma coisa que o PC não esperava e não queria, que é um partido realmente operário, no sentido de ter uma base operária. O mal-estar do PCB contra o PT no primeiro momento foi enorme. Eu saí do PCB, mas não entrei logo no PT. Só entrei no PT no final da década de 80, entrei junto com o [Milton] Temer e o Leandro Konder. Fizemos uma longa discussão para ver se entrávamos ou não, e ficamos no PT até o governo Lula, quando nos demos conta que o PT não era mais o PT. Saí e fui um dos fundadores do PSOL, que ainda é um partido em formação. Ele surge num momento bem diferente do momento de formação do PT, de ascensão do movimento social articulado com a ascensão do movimento operário. E o PSOL surge exatamente em um momento de refluxo. Nessa medida, ele é ainda um partido pequeno, cheio de correntes. Eu sou independente, não tenho corrente. Podemos dizer o seguinte: eu tinha um casamento monogâmico com o PCB, com o PT já me permitia traições e no PSOL é uma amizade colorida.
 
Caros Amigos, nº 153, dezembro de 2009

Tatiana Merlino - Em uma entrevista recente o senhor falou sobre o avanço e o triunfo da pequena política sobre a grande política dentro do governo Lula. Você pode falar um pouco sobre isso?

Gramsci faz uma distinção entre o que chama de grande política e pequena política. A grande política toma em questão as estruturas sociais, ou para modificá-las, ou para conservá-las. A pequena política de Gramsci é a política da intriga, do corredor, a intriga parlamentar, não coloca em discussão as grandes questões. Durante algum tempo, o Brasil passou por uma fase de grande política. Se a gente lembrar, por exemplo, a campanha presidencial de 89, sobretudo o segundo turno, tinha duas alternativas claras de sociedade. Não sei se, caso o PT ganhasse, ia cumpri-la, mas, do ponto de vista do discurso, tinha uma alternativa democrático-popular e uma alternativa claramente neoliberal. Até certo momento, no Brasil, nós tivemos uma disputa que Gramsci chamaria de grande política. A partir, porém, sobretudo, da vitória eleitoral de Lula, eu acho que a redução da arena política acaba na pequena política, ou seja, que no fundo não põe em discussão nada estrutural. Eu diria que é a política tipo americana. Obviamente o Obama não é o Bush, mas ninguém tem ilusão de que o Obama vai mudar as estruturas capitalistas dos Estados Unidos, ou propor uma alternativa global de sociedade. Então, o que está acontecendo no Brasil é um pouco isso, dando Dilma ou dando Serra não vai mudar muita coisa não. Até às vezes desconfio que o Serra pode fazer uma política menos conservadora, mas depois vão me acusar de ter aderido a ele. Eu até faço uma brincadeira, dizendo que a política brasileira “americanalhou”, virou essa coisa... Então, neste sentido eu entrei no PSOL até com essa ideia de criar uma proposta realmente alternativa. Infelizmente o PSOL não tem força suficiente para fazer essa proposta chegar ao grande público, mas é uma tentativa modesta de ir contra a pequena política.

Renato Pompeu - Você não acha que esse americanalhamento aconteceu na própria pátria do Gramsci?

Ah, sem dúvida. A predominância da pequena política é uma tendência mundial. Me lembro que logo depois da abertura eu escrevi uns dois ou três artigos em que dizia que o Brasil se tornou uma sociedade complexa. O Gramsci a chamaria de ocidental, que é uma sociedade civil desenvolvida, forte e tal. Mas há dois modelos de sociedade ocidental - um modelo que eu chamava de americano, que é este onde há sindicalismo, mas o sindicalismo não se põe nas estruturas, há um bipartidarismo, mas os partidos são muito parecidos, e o que eu chamava de modelo europeu, onde há disputa de hegemonia. Ou seja, se alguém votava no partido comunista na Itália, sabia que estava votando em uma proposta de outra ordem social. Se alguém votava no Labour Party na Inglaterra durante um bom tempo, pelo menos o programa deles era socialista, de socialização dos meios de produção. E quem votava no partido conservador queria conservar a ordem. O Brasil tinha como alternativa escolher um ou outro modelo. Por exemplo, havia partidos que são do tipo americano, como o PMDB, mas havia partidos que são do tipo europeu, como o PT. Havia um sindicalismo de resultado e um sindicalismo combativo (CUT, por exemplo), mas tudo isso era naquela época. Depois a hegemonia neoliberal, em grande parte, americanalhou a política mundial. A Europa hoje é exatamente isso, são partidos que diferem muito pouco entre si. Há um “americanalhamento”. É um fenômeno universal e é uma prova da hegemonia forte do neoliberalismo.

Tatiana Merlino - Então o avanço da pequena sobre a grande política está sendo mundial?

É um fenômeno mundial, não é um fenômeno brasileiro. Mas veja só, começam a surgir na América Latina formas que tentam romper com este modelo da pequena política. Estou falando claramente de Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, ainda que eu não seja um chavista, até porque eu acho que o modelo que o Chávez tenta aplicar na Venezuela não é válido para o Brasil, que é uma sociedade mais complexa, mais articulada. Mas certamente é uma proposta que rompe com a pequena política. Quando o Chávez fala em socialismo, ele recoloca na ordem do dia, na agenda política, uma questão de estrutura.

Tatiana Merlino - Então é um socialismo novo, do século 21. Que socialismo é esse?

Eu não sei, aí tem que perguntar para o Chávez. Olha, eu não gosto dessa expressão “socialismo do século
21”, eu diria “socialismo no século 21”.

Renato Pompeu - E como seria o socialismo no século 21?

Socialismo não é um ideal ético ao qual tendemos para melhorar a ordem vigente. O socialismo é uma proposta de um novo modo de produção, de uma nova forma de sociabilidade, e nesse sentido eu acho que o socialismo é, mesmo no século 21, uma proposta de superar o capitalismo. Novidades surgiram, por exemplo: quem leu o Manifesto Comunista, como eu, vê que Marx e Engels acertaram em cheio na caracterização do capitalismo. A ideia da globalização capitalista está lá no Manifesto Comunista, o capitalismo cria um mercado mundial, expande e vive através de crises. Essa ideia de que a crise é constitutiva do capitalismo está lá em Marx. Mas há um ponto que nós precisamos rever em Marx, e rever certas afirmações, que é o seguinte: Quem é o sujeito revolucionário? Nós imaginamos construir uma nova ordem social. Naturalmente, para ser construída, tem que ter um sujeito. Para Marx, era a classe operária industrial fabril, e ele supunha, inclusive, que ela se tornaria maioria da sociedade. Acho que isso não aconteceu. O assalariamento se generalizou, hoje praticamente todas as profissões são submetidas à lei do assalariamento, mas não se configurou a criação de uma classe operária majoritária. Pelo contrário, a classe operária tem até diminuído. Então, eu diria que este é um grande desafio dos socialistas hoje. Hoje em dia tem aquele sujeito que trabalha no seu gabinete em casa gerando mais-valia para alguma empresa, tem o operário que continua na linha de montagem.. Será que este cara que trabalha no computador em casa se sente solidário com o operário que trabalha na linha de montagem? Você vê que é um grande desafio. Como congregar todos estes segmentos do mundo do trabalho permitindo que eles construam uma consciência mais ou menos unificada de classe e, portanto, se ponham como uma alternativa real à ordem do capital?

Renato Pompeu - Aí tem o problema dos excluídos...

Eu tenho sempre dito que as condições objetivas do socialismo nunca estiveram tão presentes. Prestem atenção, o Marx, no livro 3 do “Capital”, diz o seguinte: O comunismo implica na ampliação do reino da liberdade e o reino da liberdade é aquele que se situa para além da esfera do trabalho, é o reino do trabalho necessário, é o reino onde os homens explicitarão suas potencialidades, é o reino da práxis criadora. Até meio romanticamente ele chega a dizer no livro “A Ideologia Alemã” que o socialismo é o lugar onde o homem de manhã caça, de tarde pesca e de noite faz crítica literária, está liberto da escravidão da divisão do trabalho. E ele diz que isso só pode ser obtido com a redução da jornada de trabalho. O capitalismo desenvolveu suas forças produtivas a tal ponto que isso se tornou uma possibilidade, a redução da jornada de trabalho, o que eliminaria o problema do desemprego. O cara trabalharia 4 horas por dia, teria emprego para todos os outros. E por que isso não acontece? Porque as relações sociais de produção capitalista não estão interessadas nisso, não estão interessadas em manter o trabalhador com o mesmo salário e uma jornada de trabalho muito menor. Então, eu acho que as condições para que a jornada de trabalho se reduza e, portanto, se crie espaços de liberdade para a ação, para a práxis criadora dos homens, são um fenômeno objetivo real hoje no capitalismo. Mas as condições subjetivas são muito desfavoráveis. A morfologia do mundo do trabalho se modificou muito. Muita gente vive do trabalho com condições muito diferenciadas, o que dificulta a percepção de que eles são membros de uma mesma classe social. Então, esse é um desafio que o socialismo no século 21 deve enfrentar. Um desafio também fundamental é repensar a questão da democracia no socialismo. Eu diria que, em grande parte, o mal chamado “socialismo real” fracassou porque não deu uma resposta adequada à questão da democracia. Eu acho que socialismo não é só socialização dos meios de produção - nos países do socialismo real, na verdade, foi estatização - mas é também socialização do poder político. E nós sabemos que o que aconteceu ali foi uma monopolização do poder político, uma burocratização partidária que levou a um ressecamento da democracia. A meu ver, aquilo foi uma transição bloqueada. Eu acho que os países socialistas não realizaram o comunismo, não realizaram sequer o socialismo e temos que repensar também a relação entre socialismo e democracia. Meu texto, “Democracia como valor universal”, não é um abandono do socialismo. Era apenas uma maneira de repensar o vínculo entre socialismo e democracia. Era um artigo ao mesmo tempo contra a ditadura que ainda existia e contra uma visão “marxista-leninista”, o pseudônimo do stalinismo, que o partido ainda tinha da democracia. Acho que este foi o limite central da renovação do partido.

Marcelo Salles - E nesse “Democracia como valor universal”, você disse recentemente que defende uma coisa que não foi muito bem entendida: socialismo como condição da plena realização da democracia...

Uma alteração que eu faria no velho artigo era colocar não democracia como valor universal, mas democratização como valor universal. Para mim a democracia é um processo, ela não se identifica com as formas institucionais que ela assume em determinados contextos históricos. A democratização é o processo de crescente socialização da política com maior participação na política, e, sobretudo, a socialização do poder político. Então, eu acredito que a plena socialização do poder político, ou seja, da democracia, só pode ocorrer no socialismo, porque numa sociedade capitalista sempre há déficit de cidadania. Em uma sociedade de classes, por mais que sejam universalizados os direitos, o exercício deles é limitado pela condição classista das pessoas. Neste sentido, para a plena realização da democracia, o autogoverno da sociedade só pode ser realizado no socialismo. Então, eu diria que sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia. Acho que as duas coisas devem ser sublinhadas com igual ênfase.

Hamilton Octávio de Souza - Nós saímos de um período de 21 anos de ditadura militar, essa chamada democracia que nós vivemos, qual é o limite? O que impende o avanço mesmo que não se construa uma nova sociedade?

Eu acho que temos uma tendência, que me parece equivocada, de tratar os 21 anos da ditadura como se não houvesse diferenças de etapas. Eu acho, e quem viveu lembra, que, de 64 ao AI-5, era ditadura, era indiscutível, mas ainda havia uma série de possibilidades de luta. Do AI-5 até o final do governo Geisel, foi um período abertamente ditatorial. No governo Figueiredo, há um processo de abertura, um processo de democratização que vai muito além do projeto de abertura da ditadura. Tem um momento que os intelectuais mais orgânicos da ditadura, como o Golbery, por exemplo, percebem que “ou abre ou pipoca”. O projeto de abertura foi então atravessado pelo que eu chamo de processo de abertura da sociedade real. Eu não concordo com o Florestan Fernandes quando ele chama a transição de conservadora. Eu acho que ocorreu ali a interferência de dois processos: um pelo alto, porque é tradicional na história brasileira as transformações serem feitas pelo alto, o que resultou na eleição de Tancredo. Mas também houve a pressão de baixo. A luta pelas “Diretas” foi uma coisa fundamental, também condicionou o que veio depois. Esta contradição se expressa muito claramente na Constituição de 88, que tem partes extremamente avançadas. Todo o capítulo social é extremamente avançado, embora a ordem econômica tenha sido mais ou menos mantida. Mas a Constituição é tanto uma contradição que o que nós vimos foi a ação dos políticos neoliberais, dos governos neoliberais de tentar mudá-la, de extirpar dela aquelas conquistas que nós podemos chamar de democráticas. Eu acho que o Brasil hoje é uma sociedade liberal-democrática no sentido de que tem instituições, voto, partidos e tal. Mas, evidentemente, é uma democracia limitada, sobretudo no sentido substantivo. A desigualdade permanece.
  
Hamilton Octávio de Souza - Mas hoje o que está mais estrangulado para o avanço na democracia ainda no marco de uma sociedade capitalista?

Eu acho que a ditadura reprimiu a esquerda, nos torturou, assassinou muitos de nós, nos obrigou ao exílio, mas não nos desmoralizou. Eu acho que a chegada do Lula ao governo foi muito nociva para a esquerda. Ninguém esperava que o governo Lula fosse empreender por decreto o socialismo, mas pelo menos um reformismo forte, né? Eu acho que a decepção que isso provocou, mais toda a história do mensalão e tal, é um dos fatores que limitam o processo de aprofundamento da democracia no Brasil. Entre outras coisas porque o governo Lula, que é um governo de centro, cooptou os movimentos sociais. Temos a honrosa exceção do MST que não é assim tão exceção porque eles são obrigados... tem cesta básica nos assentamentos e tal, eles são obrigados também a fazer algumas concessões, mas a CUT... Qual a diferença da CUT e da Força Sindical? Eu acho que essa transformação da política brasileira em pequena política, que se materializou com o governo Lula, que não é diferente do governo Fernando Henrique, foi o fator que bloqueou o avanço democrático. Até 2002, havia um acúmulo de forças da sociedade brasileira que apontava para o aprofundamento da democratização, e o sujeito deste processo era o PT, o movimento social. Na medida em que isso se frustrou, eu acho que houve um bloqueio no avanço democrático na época. O neoliberalismo enraizou-se muito mais fortemente na Argentina do que no Brasil porque aqui havia uma resistência do PT e dos movimentos sociais. Com a chegada ao governo, essa resistência desapareceu. Então, de certo modo, é mais fácil a classe dominante hoje fazer passar sua política em um governo petista do que em um governo onde o PT era oposição.

Tatiana Merlino - Então a conjuntura seria um pouco menos adversa se estivesse o José Serra no poder e o PT como oposição?

Eu não gostaria de dizer isso, mas eu acho que sim. Mas isso coloca uma questão: e se demorasse mais quatro anos para o PT chegar ao governo, ia modificar estruturalmente o que aconteceu com o PT? Até um certo momento, é clara no partido uma concepção socialista da política. A partir de um certo momento, porém, antes de Lula ir ao governo, o PT abandonou posturas mais combativas. Ele fez isso para chegar ao governo. Mas se demorasse mais quatro anos, ou oito anos, não aconteceria o mesmo? Não sei. Não quero ser pessimista também, não era fatal o que aconteceu com o PT.

Renato Pompeu - Você é professor de qual disciplina?

De teoria política.

Renato Pompeu - Você é um cientista político ou um filósofo da política?

Não, não. Filósofo tudo bem, mas cientista político não. Porque ciência política para mim é aquela coisa que os americanos fazem, ou seja, pesquisa de opinião, sistema partidário, a ciência política é a teoria da pequena política. Eu sou professor da escola de Serviço Social.

Hamilton Octávio de Souza - Que projeto que você identifica hoje no panorama brasileiro: a burguesia nacional tem um projeto? As correntes de esquerda têm um projeto? Existe um projeto de nação hoje?

Isso é um conceito interessante, porque este é um conceito criado em grande parte pela Internacional Comunista e pelo PCB, de que haveria uma burguesia nacional oposta ao imperialismo. Eu me lembro quando eu entrei no partido, eu era meio esquerdista e vivia perguntando ao secretário-geral do partido na Bahia: Quem são os membros da burguesia nacional? E um dia ele me respondeu: “José Ermírio de Moraes e Fernando Gasparian”. Olha, duas pessoas não fazem uma classe. Do ponto de vista nosso, da esquerda, uma das razões da crise do socialismo, das dificuldades que vive o socialismo hoje, é a falta de um projeto. A social-democracia já abandonou o socialismo há muito tempo, e nos partidos de esquerda antagonistas ao capitalismo há uma dificuldade de formulação de um projeto exequível de socialismo. Na maioria dos casos, estes partidos defendem a permanência do Estado do bem-estar social que está sendo desconstruído pelo liberalismo. É uma estratégia defensivista. Essa é outra condição subjetiva que falta, a formulação clara de um projeto socialista. Do ponto de vista das classes dominantes, eu acho que eles têm um projeto que estava claro até o momento da crise do neoliberalismo. Foi o que marcou o governo Collor e o governo Fernando Henrique e o que está marcando também o governo Lula, com variações. Evidentemente, há diferenças, embora a meu ver, não estruturais. Esse é o projeto da burguesia. Com a crise, eu acho que algumas coisas foram alteradas, então, uma certa dose de keynesianismo se tornou inevitável, mas sempre em favor do capital e nunca em favor da classe trabalhadora. Tenho um amigo que diz. “Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital”. No fundo, é essa a proposta do neoliberalismo: desconstrução de direitos, concessão total de todas as relações sociais ao mercado, subordinação do público ao privado, ao capital internacional. Não há burguesia anti-imperialista no Brasil, definitivamente. Pode haver um burguês que briga com o seu concorrente e o seu concorrente é um estrangeiro, mas nem assim ele vai ser anti-imperialista.

Hamilton Octávio de Souza - Você vê alguma alteração a curto prazo?

O que poderia mudar isso seria um fortalecimento dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada sob a hegemonia da esquerda. E pressionar para que reformas fossem feitas e se retomasse uma política econômica mais voltada para as classes populares. Tem um mote de Gramsci que eu acho muito válido, que é: “pessimismo da inteligência e otimismo da vontade”. A esquerda não pode ser otimista numa análise do que está acontecendo no mundo porque a esquerda tem perdido sucessivas batalhas. Então ser otimista frente a um quadro desses é difícil. Quanto mais nós somos pessimistas, mais otimismo da vontade temos de ter, mais a gente deve ter clareza que só atuando, só dedicando todo o nosso empenho à mudança disso é que essa coisa pode ser mudada. Então, a esperança de mudança seguramente há, há potencialidades escondidas na atual sociedade que permitem ver e pensar a superação do capitalismo. O capital não pode perdurar. A alternativa ao socialismo, como dizia a Rosa Luxemburgo, é a barbárie. Se o capitalismo continuar, teremos cada vez mais uma barbarização da sociedade que nós já estamos assistindo.

Hamilton Octávio de Souza - Por conta do neoliberalismo, tivemos um aumento do desemprego estrutural, a informalidade do trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista, estamos numa condição de perdas de conquistas, direitos. Como é que se explica a fraqueza do movimento social diante disso?

A certeza que nós temos de que o capitalismo não vai resolver os problemas nem do mundo nem do Brasil nos faz acreditar que, primeiro, a história não acabou, e, portanto, ela está se movendo no sentido de contestar a independência barbarizante do capital. Onde eu vejo focos, no Brasil de hoje, é no MST. Uma coisa que funciona muito bem no MST é a preocupação deles com a formação dos quadros. Eu fui de um partido, o PCB, que tinha curso, mas as pessoas iam para Moscou, faziam a escola do partido. O PT nunca se preocupou com formação de quadros, não tinham escolas, e o MST tem. Eu acho que o MST tem uma ambiguidade de fundo que é complicada. Ele é um movimento social e, como todo movimento social, ele é particularista, defende o interesse dos trabalhadores que querem terra. Essa não pode ser uma demanda generalizada da sociedade. Eu não quero um pequeno pedaço de terra, nem você. O partido político é quem universaliza as demandas, formula uma proposta de sociedade que engloba as demandas dos camponeses, proletários, das mulheres... O MST tem uma ambiguidade porque ele é um movimento que frequentemente atua como partido. Eu acho que isso às vezes limita a ação do MST.

Marcelo Salles - O termo “Ditadura do Proletariado” que vez ou outra algum liberal usa...

Na época de Marx, ditadura não tinha o sentido de despotismo que passou a ter depois. Ditadura é um instituto do direito romano clássico que estabelecia que, quando havia uma crise social, o Senado nomeava um ditador, que era um sujeito que tinha poderes ilimitados durante um curto período de tempo. Resolvida a crise social, voltava a forma não ditatorial de governo. Então, quando o Marx fala isso, ele insiste muito que é um período transitório: a ditadura vai levar ao comunismo, que para ele é uma sociedade sem Estado. Ele se refere a um regime que tem parlamento, que o parlamento é periodicamente reeleito, e que há a revogabilidade de mandato. Então, essa expressão foi muito utilizada impropriamente tanto por marxistas quanto por antimarxistas. Apesar de que em Lênin eu acho que a ditadura do proletariado assume alguns traços meio preocupantes. Em uma polêmica com o Kautsky, ele diz: ditadura é o regime acima de qualquer lei. Lênin não era Stálin, mas uma afirmação desta abriu caminho para que Stálin exercesse o poder autocrático, fora de qualquer regra do jogo, acima da lei. Tinha lei, tinha uma Constituição que era extremamente democrática, só que não valia nada.

Marcelo Salles - Estão sempre dizendo que não teria liberdade de expressão no socialismo, porque o Estado seria muito forte, e teria o partido único...

Em primeiro lugar, não é necessário que no socialismo haja partido único, e não é desejável, até porque, poucas pessoas sabem, mas no início da revolução bolchevique o primeiro governo era bipartidário. Era o partido bolchevique e o partido social-revolucionário de esquerda. Depois, eles brigaram e ficou um partido só. Mas não é necessário que haja monopartidarismo. Segundo, Rosa Luxemburgo, marxista, comunista, que apoiou a revolução bolchevique, dizia o seguinte: liberdade de pensamento é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Então, não há na tradição marxista a ideia de que não haja liberdade de expressão, mas uma coisa é liberdade de expressão e outra coisa é o monopólio da expressão. Liberdade de expressão sim, contanto que não seja uma falsa liberdade de expressão. Eu acho que o socialismo é condição de uma assertiva liberdade de expressão.


 


EM MEMÓRIA DE CARLOS NELSON COUTINHO

Dos seus amigos baianos

Às merecidas homenagens a Carlos Nelson Coutinho, partidas de pessoas, movimentos e instituições que de variados modos foram influenciadas por seu pensamento e pelo exemplo da sua conduta pessoal e política, queremos juntar a nossa, cuja particularidade é a de ser uma palavra de saudade e gratidão de companheiros e amigos que ele semeou e cultivou na Bahia. E de solidariedade afetuosa aos que lhe sobrevivem, na família e no seu círculo mais íntimo, pessoas a quem nos dirigimos agora, compartilhando, ao mesmo tempo, tristeza pela perda e gratificação pela sorte do convívio desfrutado.

Trata-se de palavras vindas de certo lugar de nossas trajetórias de vida onde um poderoso cimento nos irmanou em juventude e nos assegurou simpatia perene, maturidade afora. Nessa hora não nos é possível pensar em Carlos Nelson sem conectá-lo a sonhos e pesadelos que vivemos juntos, no velho PCB ou no seu entorno.
Fomos todos companheiros de luta de Carlito, vários durante um tempo em que essa condição não podia ser assumida à luz do dia. Se no presente não estamos reunidos em torno das suas derradeiras opções políticas, isso não impede nem restringe — como jamais impediu ou restringiu em outras esquinas da sua/nossa trajetória — que circule entre nós, neste instante, um forte sentimento de convergência e sintonia. Provém ele da admiração que nos inspira essa personalidade intelectualmente referencial, politicamente agregadora, eticamente exemplar. Referência, agregação e exemplo que nos afetam de vários modos, conforme a experiência que cada um teve com Carlito.

Fala aqui quem teve a sorte de ser dele amigo(a) pessoal; fala também quem, mesmo sem o ser, desfrutou, ocasionalmente, de sua companhia em inesquecíveis conversas pretensamente informais que o brilho de sua inteligência convertia em marcantes palestras; e fala também quem foi tocado mais de longe — mas não menos marcantemente — por seu texto penetrante ou por sua palavra apaixonada nos eventos públicos de que participou em nosso Estado, a sua terra. Portanto, essas palavras de despedida, além de homenagem a um parceiro querido de muitas empreitadas, são também, para todos nós, um modo de, apesar de nossa “diáspora”, sentirmo-nos coletivamente vivos e lembrados de um conjunto de ideias e valores (universais?) que por muito tempo nos uniram em ação política e que ainda hoje nos conectam em pensamento, noves fora a percepção pessoal que cada qual tem sobre a política atual.

Que o futuro, essa obsessão paciente de todo socialista ou comunista de formação democrática, seja mais compensador para com a memória de Carlos Nelson Coutinho do que foi o mundo real com que, em vida, se defrontou o otimismo da sua vontade!

Salvador, 21 de setembro de 2012.

Aleksei Turenko, Amabília Vilaronga de Pinho Almeida, Angela Maria de Almeida Franco, Antonio Carlos Rosa Pimenta, Antonio Expedito Gomes de Azevedo, Antonio Silva Magalhães Ribeiro, Beatriz Tourinho Sarmento, Bisa Almeida, Caio Mário Castro de Castilho, Carlinhos Cor das Águas, Carlos Alberto Matos Vieira Lima, Carlos Augusto Marighella Filho, Carlos Henrique de Souza Moreira, Cínzia Barreto de Carvalho, Claudio Dória Guedes, Claudio Fonseca, Daniel Tourinho Peres, Domingos Leonelli Neto, Eduardo José Santiago da Silva (Dida), Eduardo Santana Dias, Elisabeth Maria Souto Wagner, Elisabeth Regina Loiola da Cruz Souza, Elísio Santana, Emiliano José da Silva Filho, Fernando da Rocha Peres, Fernando Jorge Lessa Sarmento, Florisvaldo Moreira de Mattos, Frances Wanderley Landim, George Gurgel de Oliveira, Idalia Landim Fernandes, Ieda Veiga Santana, Isnaia Veiga Santana, Izabela Goulart de Sant’anna, João Carlos Salles, Job Medrado Brasileiro, José Afonso Ferreira Maia, José Carlos Zanetti, Lícia Maria França Cardoso, Luciano Veiga de Santana, Luiz Carlos Serqueira da Costa, Luiz Fernando Contreiras de Almeida, Marcela dos Reis Maia, Marcelo Veiga de Santana, Marcia Genésia De Santanna, Marco Antonio Rocha Medeiros, Marcos Veiga de Santana, Maria Augusta Lima de Souza, Maria de Lourdes Costa Souza, Maria Fernanda Tourinho Peres, Maria Helena Souza da Silva, Maria Lúcia Cunha de Carvalho, Maurício Santana Dias, Miguel Kertzman, Mucio Bittencourt Landim, Nidalvo Quinto dos Santos, Othon Fernando Jambeiro Barbosa, Paulo César Miguez de Oliveira, Paulo Fábio Dantas Neto, Paulo Guedes, Regina Tourinho Sarmento, Roberto Max Argolo, Rogério Ferrari, Rosa Gabriella de Castro Gonçalves, Sérgio Hage Fialho, Sergio Veiga Santana, Sylvia Maria dos Reis Maia (Lia), Urânia Tourinho Peres, Waldemar Almeida de Oliveira, Zenaide Landim Goutalle, Zilah Costa Azevedo, Zulu Araújo.


Fontes:


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Mais Direito Penal tem representado mais criminalidade. Entrevista com o Juiz Marcelo Semer.

por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Correio da Cidadania.


Marcelo Semer é Juiz de Direito da 15ª Vara Criminal de São Paulo
e foi presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Além disso, é também escritor e articulista do site Terra Magazine.
 
Em meio aos intensos e polêmicos acontecimentos em torno do mensalão, e até mesmo do Código Florestal, a reforma do Código Penal em andamento no Congresso não tem encontrado espaço à altura de sua importância na mídia. Como resultado, um código que permeia todas estas discussões, e tantas outras estruturantes de nossa sociedade, poderá ser agora modificado de forma pouco transparente, diante da sua escassa visibilidade. E mais grave ainda que a falta de transparência, poderão decorrer graves retrocessos na reestruturação da Legislação Penal.
 
Para comentar o assunto, o Correio da Cidadania entrevistou o Juiz de Direito Marcelo Semer, ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. As suas apreciações não deixam dúvidas quanto à tradicional utilização do aparato jurídico em prol das classes mais poderosas. Não bastasse o fato de a própria lógica intrínseca do Direito Penal atuar em reforço da criminalidade, a atual reforma do Código Penal deverá intensificar esta regra, com a maior criminalização dos movimentos sociais e seletividade na utilização do aparato legislativo. “O problema de hoje no direito penal, e no sistema penal como um todo, é a seletividade, não a impunidade. As celas estão cada vez mais superlotadas, mas o pluralismo dentro delas continua exíguo. Isso é uma combinação da seletividade do direito (como a supervalorização da tutela da propriedade e do encarceramento dos entorpecentes), da fiscalização (prioridades da polícia) e dos instrumentos de defesa (desproporcionalmente distribuídos)”, avalia Semer. 
 
Quanto à descriminalização do porte de pequenas quantidades de drogas, um dos aspectos que têm tido maior visibilidade neste debate, Semer não está tão otimista. Acredita que a atual lei já reduziu bastante as penas do porte para uso e, mesmo assim, as cadeias seguem lotadas. “Acho que era preciso ser mais profundo na atenuação de pena do micro-traficante (que muitas vezes trafica para sustentar seu vício), pois é ele que está superlotando as cadeias sem nenhum reflexo na diminuição do comércio”, ressalta o juiz.

Fato é que o sensacionalismo em torno à ideia da impunidade e o forte apelo da noção do ‘poder punitivo’, que encontram acolhida fácil no grande público e vendem bastante jornal, têm sido até o momento o grande vencedor nas discussões e conceitos em torno ao novo Código Penal. Resulta novamente o entendimento rasteiro em torno aos grandes temas nacionais. Perde o Direito Penal e, mais ainda, a sociedade, à mercê das manipulações grosseiras, autoritárias e populistas, enquanto imagina estar a defender seus direitos e interesses.
 
Correio da Cidadania: O que você pensa, de forma geral, das atuais discussões quanto à alteração do Código Penal (CP)?

Marcelo Semer: O maior problema de hoje no direito penal, e no sistema penal como um todo, é a seletividade, não a impunidade. As celas estão cada vez mais superlotadas, mas o pluralismo dentro delas continua exíguo. Isso é uma combinação da seletividade do direito (como a supervalorização da tutela da propriedade e do encarceramento dos entorpecentes), da fiscalização (prioridades da polícia) e dos instrumentos de defesa (desproporcionalmente distribuídos). Mudar um Código Penal sem pensar em mudar tal quadro é apenas fazer uma “atualização” – esse é o problema central. Nos últimos anos, o encarceramento pelo tráfico de entorpecentes dobrou proporcionalmente em relação a outros tipos penais, desde a edição de uma lei que se presumia mais liberal. O que fazer, então? O projeto mantém a lei, incorporando-a ao Código Penal, praticamente inalterada. Existem, é verdade, alguns avanços, como uma diminuição de penas em certos crimes contra a propriedade, mas, de outro lado, um recrudescimento da execução penal tendente a aumentar fortemente a carcerização. Uma no cravo, outras na ferradura. O problema é que a comissão continua acreditando em demasia no direito penal e em seu valor simbólico e a expectativa de um direito penal eficaz – que pode “reduzir a criminalidade”. Nesse ponto, mantém um direito penal gigante e promete algo que certamente não vai entregar. Mas há absurdos como a tipificação tão ampla e genérica do terrorismo, que vai fortalecer, enormemente, a criminalização dos movimentos sociais. Sem contar o esvaziamento do processo como garantia, com a criação do instituto da barganha – que vem de outro direito com o qual o nosso não mantém similaridade.

Correio da Cidadania: Acredita que seja realmente importante e oportuna, neste momento, uma reforma no código em questão?
 
Marcelo Semer: Penso que o essencial é compreender os limites do direito penal e também o seu fator criminógeno – a multiplicidade das reincidências. Mais direito penal tem representado historicamente mais criminalidade, e não o inverso. A Lei dos Crimes Hediondos deu um exemplo primoroso. O crime aumentou e, de quebra, criamos um enorme problema com o encarceramento feminino e a estruturação de facções criminosas. Apagamos fogo com querosene. Vale a pena reformar o Código Penal se for para inverter essa lógica. Em caso contrário, não tem muita valia. Uma ou outra coisa de fato melhora, mas, de outro lado, com a reforma, incorporamos dentro do Código toda a legislação de emergência, tornando ainda mais difícil de revogá-la posteriormente. E a expansão do direito penal tem algo de perverso, pois acostuma a sociedade a um gradativo caminho para o autoritarismo.

Correio da Cidadania: Pensando em alguns dos temas mais específicos relativos ao novo código, a Lei de Execução Penal foi atualizada em 2011. Que relação pode ser feita entre esta atualização e o novo CP?

Marcelo Semer: Na área de execução penal, o código tem a sua pior faceta. Acreditou na mensagem de que “ninguém cumpre a pena toda” e recrudesceu o sistema progressivo, tornou inseguro o prazo para a progressão (com a inclusão de uma genérica cláusula de “grave lesão à sociedade”), dificultou a saída temporária (mesmo que a estatística de seu descumprimento seja irrisória) e fulminou com sursis e livramento condicional. Atendeu, enfim, ao reclamo midiático da “impunidade”. Com as cadeias já superlotadas, que mais se pode dizer?

Correio da Cidadania: O novo Código possui alguma discussão relativa à redução da maioridade penal?

Marcelo Semer: O projeto não mexe na questão da redução da maioridade, até porque se trata de matéria de natureza constitucional e, ao que pensam muitos, inclusive, imutável pela natureza de cláusula pétrea. Penso também que não há nada a ser mexido nesse particular. Trazer mais clientes para o direito penal é tudo que o sistema não precisa atualmente. Também deveria ter evitado a criação de tipos desnecessários (e ainda por cima mal definidos), criando a falsa impressão, recoberta pelo populismo, de que o direito penal vai resolver todos os nossos problemas. Isso deseduca e flerta com o autoritarismo.

Correio da Cidadania: Na esfera dos atos individuais, passíveis de punição, o porte, tráfico e uso de drogas é um dos aspectos que têm tido maior visibilidade. Como avalia a nova abordagem que se quer para este tópico, especialmente no que se refere à descriminalização do porte de pequenas quantidades?

Marcelo Semer: Sou plenamente a favor da descriminalização que o projeto faz e acredito que ainda é tímida, pois, ao mesmo tempo em que impede a punição pelo porte para uso pessoal, pune o uso “ostensivo”. É possível que se transforme naquelas mudanças que pouco mudam. A propósito, a atual lei de entorpecentes reduziu a quase nada a punição pelo porte para uso e, no entanto, poucos crimes levam tantas pessoas à delegacia quanto ele. Acho que era preciso ser mais profundo na atenuação de pena do micro-traficante (que muitas vezes trafica para sustentar seu vício), pois é ele que está superlotando as cadeias sem nenhum reflexo na diminuição do comércio. Se uma pessoa foi condenada anteriormente pelo porte para uso e venda de uma pedra de crack a fim de pagar a outra que usa, continuará cumprindo uma pena de cinco anos de reclusão. É razoável isso?

Correio da Cidadania: No que se refere ao aborto, não acredita que se trate de uma problemática que necessitaria de fóruns mais amplos de discussão, extrapolando o âmbito de um Código Penal? Como encara, de todo modo, o tratamento que pode acabar por ser dispensado a tema tão polêmico?

Marcelo Semer: Acho, particularmente, que a questão do aborto já vem sendo discutida há décadas. A criminalização do aborto, a meu ver, resulta em desprestígio da própria vida, pois não evita a prática dos abortos, mas põe sob risco enorme a saúde das gestantes economicamente vulneráveis. Para além das questões morais, que podem ter disciplina em outro canto, penso que aqui se trata de garantir ou não a vida – e a tutela abstrata da vida pela criminalização provoca mais mortes. Acho, entretanto, que a questão dificilmente será aprovada como propõe o projeto e, ao final, vai funcionar como um fogo de artifício.

 
Correio da Cidadania: A abordagem penal para os crimes ambientais tem sido avaliada por críticos e estudiosos como excessiva, por vezes superando em rigidez o próprio tratamento penal que envolve o ser humano. Como encara esta discussão e, especial-mente, o seu tratamento pelo Código?

Marcelo Semer: Uma das funções de uma codificação é resolver os problemas do balanceamento das penas. A edição de leis penais em momentos distintos, com interesses políticos e propósitos emergenciais, acaba por desfigurar a legislação penal. O Código, entretanto, se furtou a esse balanceamento e reproduziu o mesmo desequilíbrio. Por quê? Porque foi montado em comissões distintas, votado por partes, ao final mostrando faces divergentes em seus títulos. É um equívoco que beira a incoerência, marcado pela pressa e pela configuração de uma comissão com pensamentos bem contraditórios. E de novo a pergunta, por quê? Porque fazer o código está sendo mais importante que o conteúdo do próprio código. Muita vaidade e muito marketing a que o direito penal não pode ser relegado. Ele é muito mais importante do que esses interesses menores.

Correio da Cidadania: Como tem visto as discussões do tema na mídia?

Marcelo Semer: A mídia, em regra, estraçalha o direito penal, porque faz uma leitura sensacionalista. Cultua o punitivismo, exigindo sempre mais pena e lucrando com o comércio do medo. Ao final, oferece uma visão neoliberal de Estado mínimo no social e máximo no penal, que compromete qualquer esforço de contenção do poder punitivo, que deveria ser um de nossos principais objetivos. Assim, não creio que possa ter algum tipo de auxílio na produção de um texto coerente. No máximo, condicionar a ação de alguns autores. O que poderia significar, por exemplo, que o relator tenha dedicado o trabalho a duas vítimas menores de crime de repercussão?

Correio da Cidadania: E os partidos políticos, o que pensa do modo como têm travado os debates no Congresso e na sociedade?  

Marcelo Semer: Penso que os partidos têm uma visão muito estreita, em regra, do direito penal. Pouco que se distancie da visão oferecida pela mídia, inclusive no campo dito progressista. Existem diferenças, é verdade, entre a direita repressora e a esquerda punitiva, mas há pouca preocupação com as consequências de longo prazo que a codificação de uma criminalização extensa introduz na sociedade. De uma maneira geral, os partidos se mostram muito menos preocupados com o impacto dos temas jurídicos na sociedade do que deveriam.

Correio da Cidadania: Em palestra recente, o senhor afirmou que os debates sobre as leis penais costumam ser permeados pelo medo, sentimento inerente e alimentado pela humanidade e, principalmente, ideológica e interesseiramente apropriado pelos poderes dominantes de forma a satisfazer seus propósitos. O novo Código Penal traz, portanto, bastante deste contexto, não?

Marcelo Semer: Sim, a criminalização da milícia é um ponto. O projeto vende a versão de que tais crimes não são punidos por falta de instrumento legal – quando, na verdade, o que ocorre é falta de interesse pela vinculação do crime organizado com as estruturas de poder. E utiliza o medo como instrumento para criar experiências de direito penal máximo. O tipo do terrorismo é outra barbaridade. De um lado, ele invoca as “armas de destruição em massa” para fazer lembrar a doutrina Bush; mas, de outro, insere entre os atos de terror a “invasão de terras públicas ou particulares”. Dá para imaginar a quem se destina, não? O medo instrumentaliza a criminalização, inclusive dos movimentos sociais.

Correio da Cidadania: Faria, por sua vez, alguma associação entre os conteúdos em discussão para o novo Código e o momento econômico e político hoje vivido pelo país?

Marcelo Semer: Que o direito penal vai reduzir a criminalidade equivale ao triunfo da esperança sobre a experiência. Esse é o equívoco do direito penal da eficácia. A melhor política criminal é a redução das desigualdades. Esse é um propósito sobre o qual devemos pensar sempre, porque é emancipatório. O poder punitivo é um fato político, não vai deixar de existir. Mas quanto mais limitado for, tanto melhor. Fazer política com o direito penal resulta sempre em populismo. Se algo do momento atual interfere na produção, penso que é a influência excessiva da mídia e, da parte do projeto, sua total submissão à agenda dela.

Correio da Cidadania: Acaba de ser nomeado para o STF Teori Zavascki. O que pensa dessa nomeação? Faria alguma analogia entre a escolha do novo membro e o futuro desenrolar das discussões para o novo Código?

Marcelo Semer: Não discuto as credenciais do novo ministro. Acho, no entanto, que Dilma não tem se aberto a ouvir a sociedade civil, nem está preocupada com a pluralidade na composição do STF. A ideia de que ministros devem ter “perfil técnico” apenas escamoteia o conteúdo essencialmente político (embora não partidário) das decisões de cunho constitucional. O STF estava se impondo como a corte garantista do país. O julgamento do caso mensalão está representando uma guinada, e o esquecimento de nomes da área criminal pela Dilma mostra o absoluto desinteresse com a preservação das garantias. O que o futuro projeta, como resultado de tudo isso, é uma jurisprudência mais conservadora, o que no direito penal quer dizer mais presos.

Correio da Cidadania: Finalmente, o que deveria permear a elaboração de um Código Penal de fato moderno, avançado, a favor do propalado “bem comum” e da pacificação social?

Marcelo Semer: Em poucas palavras, um código menor. Que inverta o paradigma de seletividade (diminuindo a imensa tutela à propriedade), sem tantas concessões ao rigorismo, e que extirpe o que ainda resta de punição moral. Que não tenha como meta a “eficácia”, mas a garantia, para servir de controle ao poder punitivo.




terça-feira, 20 de novembro de 2012

O direito das minorias emergentes, dos conflitos e das lutas sociais. Entrevista com Antonio Carlos Wolkmer.

 

Antonio Carlos Wolkmer é um teórico do direito vinculado aos estudos sobre Pluralismo Jurídico. Advogado, Doutor em Filosofia do Direito e da Política pela UFSC, professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina, é autor de vários livros, dentre os quais "Fundamentos de História do Direito", "História do Direito no Brasil", "Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico" e “Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma Nova Cultura no Direito”.
  
Pergunta: O Pluralismo jurídico revela uma proposta singular para o momento atual. Qual é a base dessa proposta?
Antonio Carlos Wolkmer: Trata-se de uma proposta multidisciplinar que visualiza, como novo paradigma, um pluralismo jurídico-político, designado como "pluralismo comunitário-participativo", apto a reconhecer e legitimar emergentes normatividades extra e intra-estatais, engendradas no bojo de conflitos e lutas sociais, contradições e correlações de forças, reivindicações, carências e necessidades humanas.

Pergunta: A Justiça mostra os reflexos da crise contemporânea. Como isso ocorre no Brasil?
Antonio Carlos Wolkmer: A crise de identidade do Judiciário condiz com as próprias contradições da cultura jurídica nacional, construída sobre uma racionalidade técnico-dogmática e calcada em procedimentos lógico-formais, e que, na retórica de sua "neutralidade", tem sido incapaz de acompanhar o ritmo das transformações sociais e a especificidade cotidiana dos novos conflitos coletivos. Trata-se de uma instância de decisão não só submissa e dependente da estrutura de poder dominante, como, sobretudo, de órgão burocrático do Estado, desatualizado e inerte, de perfil fortemente conservador e de pouca eficácia na solução rápida e global de questões emergenciais vinculadas, quer às reivindicações dos múltiplos movimentos sociais, quer aos interesses das maiorias carentes de justiça e da população privada de seus direitos. A crise vivenciada pela Justiça oficial, refletida na sua inoperacionalidade, lentidão, ritualização burocrática, comprometimento com os "donos do poder" e falta de meios materiais e humanos, não deixa de ser sintoma indiscutível de um fenômeno mais abrangente, que é a própria falência de ordem jurídica estatal. O certo é que nos horizontes da cultura jurídica positivista e dogmática, predominante nas instituições políticas brasileiras, o Poder Judiciário, historicamente, não tem sido a instância marcada por uma postura independente, criativa e avançada em relação aos graves problemas de ordem política e social. Pelo contrário, trata-se de um órgão elitista que, quase sempre, ocultado pelo "pseudoneutralismo" e pelo formalismo pomposo, age com demasiada submissão aos ditames da ordem dominante e move-se através de mecanismos burocrático-procedimentais onerosos, inviabilizando, pelos seus custos, o acesso da imensa maioria da população de baixa renda.

Pergunta: Você afirma, em Pluralismo jurídico, que os movimentos sociais são uma fonte de produção jurídica. O que comprova essa relação?
Antonio Carlos Wolkmer: As fontes de produção jurídica que se estruturam em termos de um conteúdo (sentido material) e de uma configuração simbólico-cultural (sentido formal), reproduzem a manifestação de seres humanos inter-relacionados, que vivem, trabalham, participam de lutas e conflitos, buscando a satisfação de necessidades cotidianas fundamentais num interregno marcado pela "convivência das diferenças". Nestas condições, a produção jurídica não pode deixar de retratar o que a própria realidade dimensionaliza, bem como de corresponder às reais necessidades da sociedade em dado momento histórico, moldando-se à flutuações cíclicas que afetam também os demais fenômenos do mundo cultural (aspectos sociais, econômicos, políticos, éticos, religiosos, lingüísticos etc.). As transformações da vida social constituem, assim, a formação primária de um "jurídico’ que não se fecha em proposições genéricas e em regras fixas formuladas para o controle e solução dos conflitos, mas se manifestam como o resultado do interesse e das necessidades de agrupamentos associativos e comunitários, assumindo um caráter espontâneo, dinâmico e flexível. Esta concepção aqui partilhada afasta-se das expressões normativas pré-fixadas e abstratas, criadas e impostas, com exclusividade, pela moderna estrutura estatal de poder. A produção jurídica formal e técnica do Estado moderno só atinge parcelas da ordem social, achando-se quase sempre em atraso, relativamente às aspirações jurídicas mais desejadas, vivas e concretas da sociedade como um todo. Evidentemente, que o Direito projetado pela sociedade burguês-capitalista, corporificado pelo modelo de centralização estatal, impõe um rígido sistema de fontes formais caracterizado pela supremacia do Direito legiferado e escrito sobre o Direito consuetudinário e o Direito dos juristas, e pelo sufocamento e exclusão de práticas informais vinculadas ao Direito Comunitário autônomo. Parece claro, por conseguinte, que o problema das fontes do Direito numa sociedade determinada e historicamente concreta não está mais na priorização de regras técnico-formais e nas ordenações teórico-abstratas perfeitas, porém na dialética de uma práxis do cotidiano e na materialização normativa comprometida com a dignidade do novo sujeito social. Os centros geradores de Direito não se reduzem, de forma alguma, às instituições e aos órgãos representativos do monopólio do Estado, pois o Direito por estar inserido nas e ser fruto das práticas sociais, emerge de vários e diversos centros da produção normativa, tanto na esfera supra-estatal (organizações internacionais) como no nível infra-estatal (grupos associativos, organizações comunitárias, corpos intermediários e movimentos sociais). Portanto, o ponto de partida para a Constituição e o desenvolvimento do Direito vivo comunitário não se prende nem à legislação, nem à ciência do Direito e tampouco à decisão judicial, mas às condições reais da vida cotidiana, cuja real eficácia apóia-se na ação de grupos associativos e organizações comunitárias.

Pergunta: Revela-se interessante a sua abordagem sobre o pluralismo júridico na prática participativa. Como seria a síntese disso?
Antonio Carlos Wolkmer: O alargamento e consolidação do espaço público, de base democrática, pluralista e descentralizada, só se materializa com a efetiva participação e controle por parte dos agentes e grupos comunitários. Ademais, aquelas formulações, reivindicações e propostas sobre direitos, leis e justiça, que não são mais contemplados, eficaz e competentemente, pelos canais tradicionais da cultura jurídica estatal ou mesmo destituídos de sentido num novo paradigma, passam a ser criados e absorvidos por uma pluralidade de forças participativas insurgentes. As experiências e as práticas cotidianas dos movimentos sociais acabam redefinindo, sob os liames de um pluralismo político e jurídico comunitário-participativo enquanto condição paradigmática, um espaço que minimiza o papel do "institucional/oficial/formal" e exige uma "participação" autêntica e constante no poder societário, quer em nível da tomada e controle de decisões, quer em nível de produção legislativa ou da resolução dos conflitos. Por conseguinte, a "participação" propicia que a comunidade atuante decida e estabeleça os critérios do que seja "legal", "jurídico" e "justo", levando em conta sua realidade concreta e sua concepção valorativa de mundo.

Pergunta: O critério do justo pode ser estabelecido com unanimidade?
Antonio Carlos Wolkmer: Pode vir a ser defendido por todos? Na medida em que o critério do "justo" resulta daquilo que os grupos comunitários reconhecem como tal, correspondendo eficazmente aos padrões da vida cotidiana almejada pelas coletividades submetidas às relações de dominação, a noção de Justiça acaba se constituindo numa necessidade por liberdade, igualdade e emancipação.

Pergunta: Sob a ótica do pluralismo jurídico, o que se evidencia e pode ser precisado?
Antonio Carlos Wolkmer: Para se alcançarem as condições teóricas e práticas de supremacia do "direito justo", de uma juridicidade diferente, de se pensar o "novo" e a prática de uma legitimidade alternativa, é essencial operar com a estratégia de uma pedagogia emancipadora. Para isso, faz-se necessário desenvolver, também, processos nacionais direcionados a modificar e a conceber um novo espaço de convivência. Trata-se de construir uma racionalidade como expressão de realidade histórica enquanto exigência a afirmação da liberdade, emancipação e auto-determinação. Ora, somente uma ampla educação de base, a longo alcance, oferecerá elementos conscientes para propiciar outra racionalidade, configuradora do "novo" no Direito e na Sociedade, bem como instrumentará valores e modelos teóricos aptos para captar e expressar tais percepções. Trata-se de uma educação libertadora comprometida com a desmistificação e conscientização, habilitada a levar e a permitir que as identidades individuais e coletivas assumam o papel de novos sujeitos da história, fazendo e refazendo o mundo da vida cotidiana, a ampliando os horizontes do poder societário.

Fonte: Alfa-Omega