sexta-feira, 17 de junho de 2011

O judiciário como empresa e cliente de TI: alimentando monstro?

Chaplin, em Tempos Modernos
O judiciário como empresa e cliente de TI[1]: alimentando
 monstro?

Gerivaldo Neiva, Juiz de Direito, membro da
 Associação Juízes para a Democracia (AJD),
 15.06.2011.
 
Gerivaldo Neiva *
O Tribunal de Justiça apresentou aos juízes baianos, na última sexta-feira (10/06), o Sistema de Automação da Justiça (SAJ). Trata-se de um sistema desenvolvido pela empresa
Softplan e adquirido pelo TJBa, com dispensa de licitação (
Declaração de Inexigibilidade de Licitação nº. 18/11, publicada no Diário do Poder Judiciário de 18 de março de 2011), pelo “valor global estimado de R$ 39.082.000,00”, incluindo a implantação e suporte, conforme Instrumento de Contrato n° 17/11-S, publicado no Diário do Poder Judiciário de 06 de abril de 2011.
Segundo informações da Softplan, este sistema já está implantado em oito estados do país, representando mais de 60% dos processos que tramitam na justiça comum, em mais de 500 comarcas. Garante ainda a Softplan: 70% mais agilidade na tramitação de processos digitais em relação aos tradicionais, 90% de redução no tempo de atendimento a advogados e partes e 98% de redução no tempo de ajuizamento de processos de execução fiscal em meio eletrônico. Clique aqui para visitar o site da Softplan e conhecer mais sobre o SAJ.
Além do SAJ, a Softplan também oferece soluções para outros ramos, a saber: Solar – solução integrada para gestão pública; Sienge – o software para a indústria de construção; Sider – solução integrada para gestão de departamentos de infraestrutura, transportes e obras; SAFF – solução para administração física, financeira e contábil de programas cofinanciados por organismos internacionais. Assim, para a Softplan, as soluções se misturam (justiça, gestão pública, construção civil, transportes, obras, administração, contabilidade...) e o Poder Judiciário é apenas mais um cliente em TI.
Não tenho a menor dúvida da necessidade modernização do Poder Judiciário e informatização do sistema de gerenciamento e acompanhamento dos processos. Em que pese esta certeza, tenho comigo ainda algumas questões não resolvidas sobre isto.
- O judiciário baiano, sem licitação e por mais de 39 milhões de reais, tornou-se cliente de uma empresa que já “gerencia” mais de 60% dos processos judiciais do país;
- O sistema prevê a eficiência e rapidez na solução dos litígios como se este “meio” (eficiência e rapidez) fosse o “fim” da justiça;
- Por ser tão eficiente e rápido, o sistema necessita cada vez mais de litígios para serem “operacionalizados”, sob pena de inviabilizar a aferição de sua eficiência;
- De tão eficiente, o sistema é o protagonista do andamento do processo, sujeitando aos seus caprichos o Juiz e o Processo Civil;
- Definitivamente, o Juiz e os servidores do Poder passam da condição de “operadores” do Direito (nomenclatura já questionada) para operadores do sistema de automação judicial. (uma sugestão de sigla: OSAJ);
- Mediação de conflitos e Justiça Restaurativa não interessam ao sistema, pois seu alimento principal é o litígio;
- Para o sistema, portanto, interessa maior número de litígios resolvidos (?) e o surgimento de outros litígios de decorrentes da resolução (?) do primeiro;
- Para se adequarem, os escritórios de advocacia necessitam também de investimentos em TI, equipamentos e qualificação de seus funcionários. Neste caminhar, não vai demorar e também as faculdades de Direito terão disciplina específica em TI e Judiciário ou como se tornar um bom OSAJ;
- Por fim, a quem interessa transformar o judiciário em máquina de operacionalizar litígios e quanto custa mediar conflitos e quanto custa solucionar litígios decorrentes desses conflitos não mediados?
Com tenho dito, o normativismo tomou as ruas e engoliu o Direito, sobrevivendo da crescente judicialização dos conflitos e sua transformação em litígios. Este fato, de sua vez, tem agravado sobremaneira as relações pessoais, sociais e institucionais com a falta de espaços de medição desses conflitos. Assim, não se dialoga mais em família ou com vizinhos, pois tudo será remetido à apreciação do Juiz, cuja mesa está se transformando em um imenso divã dos conflitos da sociedade em crise.
Ora, pensar em solução que possibilite cada vez mais a absorção dos litígios pelo judiciário, sem risco de implodir, ao invés de favorecer a mediação do conflito que o antecede, interessa a quem? Será que não estamos alimentando um monstro que necessita exatamente de litígios para sobreviver? E, por fim, até quando a sociedade, antes de se autodestruir, terá condições de gerar litígios para este monstro?
Sendo otimista e acreditando apenas na otimização do trabalho com os recursos tecnológicos, lembrando do “Direito à Preguiça”, de Paul Lafargue, se este sistema não me tornar seu escravo e OSAJ, talvez sobre um tempo, depois de “operacionalizar” os processos da Vara, para ser Magistrado de verdade.


[1] No jargão informatiquês: Tecnologia da Informação. Na enciclopédia Wikipédia: “A Tecnologia da Informação (TI) pode ser definida como um conjunto de todas as atividades e soluções providas por recursos de computação. Na verdade, as aplicações para TI são tantas - estão ligadas às mais diversas áreas - que existem várias definições e nenhuma consegue determiná-la por completo”.
 
*Gerivaldo Neiva é Juiz de Direito na Bahia e membro da Associação Juízes para a Democracia.
 
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário