terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIO FAZ O CRIME COMPENSAR



Não podemos criar mercado que dependa das prisões, sob pena de acabarmos na dependência delas
 

Marcelo Semer *
 


 
 
 
Já faz tempo o Brasil tem constatado um enorme crescimento de sua população carcerária, a quarta no mundo.
 
Desde a vigência da Lei dos Crimes Hediondos, o número de presos praticamente dobrou no país e vem se expandindo com a última legislação de entorpecentes.
 
O aumento expressivo desta massa carcerária em nada diminuiu os índices da criminalidade, mas agora pode representar um negócio altamente lucrativo para alguns, o encarceramento privado.
 
Vendido como o padrão inglês, de grande eficiência e alta tecnologia, a penitenciária mineira de Ribeirão das Neves inaugura este equívoco institucional.
 
O Estado não vai deixar de pagar para custear os presos. Os empresários é que vão passar a ganhar com as prisões, em valor por condenado – um estímulo e tanto para que elas continuem sempre crescendo. Trocaremos, enfim, salários por lucros.
 
O que está em questão não é apenas o esvaziamento do Estado em uma de suas mais importantes funções, mas também a ideia desvirtuada de que o crime compensa, ainda que para o carcereiro.
 
Não podemos criar um mercado que dependa das prisões, sob pena de acabarmos nós mesmos na dependência delas.
 
A divulgação da parceria enfatizou que a empresa não lucrará com o trabalho dos presos, regra dispensável diante da disciplina contrária da lei federal. Mas mencionou que a própria contratada seria responsável por fornecer assistência jurídica aos detentos – um evidente conflito de interesses, que colide ainda com a competência constitucional da Defensoria Pública.
 
A execução da pena é tarefa estatal, na qual tomam parte inúmeros agentes públicos e deve ser obrigatoriamente supervisionada pelo Judiciário. Presos não são objetos contratuais, mas sujeitos de direitos – ainda que boa parte destes, verdade seja dita, continuem desrespeitados. Não há porque supor que serão mais respeitados pelo mercado.
 
O caráter público da prisão, do julgamento e da aplicação da pena são princípios básicos da constituição de nosso Estado. São tarefas indelegáveis, que não se transmitem por contratos ou subempreitadas – como caçadores de recompensas ou oficiais privados de condicional de Estados norte-americanos.
 
A depreciação de importantes serviços públicos ao longo de décadas de abandono abriram espaços ocupados pela iniciativa privada, especialmente nos casos da educação e na saúde, que acabou entregue ao mercado das seguradoras.
 
As fissuras na previdência pública vitaminaram recentemente o mercado para as instituições financeiras.
 
Mas há limites aos quais não se deve ultrapassar, sob pena de se perder por completo a noção de Estado, como já se abala com a progressiva privatização dos serviços de segurança.
 
Que faremos em sequência, contrataremos mercenários para garantir as fronteiras?

 
* Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo, escritor e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.
 

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