sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Cada qual no seu cada qual: Juiz não é inquisidor e nem investigador

 Galileu frente ao tribunal da inquisição romana, pintura de Cristiano Banti

Gerivaldo  Neiva*

Autos: 000343-06.2011.805.0063
Preso em flagrante: Pedro Santana de Almeida

A Autoridade Policial apresentou a este juízo o presente Auto de Prisão em Flagrante de Pedro Santana de Almeida, acusado da prática do crime previsto no artigo 155, §4º, I, do Código Penal Brasileiro.
Consta dos autos, em síntese, que o acusado teria sido encontrado por policiais militares, atendendo solicitação da vítima, no mercado municipal desta cidade ao lado de um Micro System marca CCE com duas caixas de som, tendo também confessado que havia subtraído um rádio portátil da residência de outra pessoa e que estaria em sua própria residência. Por fim, informaram os condutores que se dirigiam para a residência do acusado quando receberam informações de que o Micro System havia sido furtado de uma terceira pessoa. Por tais razões, os policiais militares lhe deram “voz de prisão” e o conduziram à autoridade policial para lavratura do respectivo auto de flagrante.
Interrogado pela autoridade policial, disse que se chama Pedro Santana de Almeida, conhecido como “Zezinho”, brasileiro, solteiro, sem prole, analfabeto, filho de Zé e Ana, natural de Monte Santo-Ba. Negou que tivesse furtado o Micro System e, em seguida, confessou que a primeira vítima teria lhe convidado para “manter relações sexuais, porém não tinha dinheiro e não chegou a fazer sexo com ele, mas mesmo assim pegou o rádio portátil dele e foi embora”. Acerca de sua qualificação, respondeu ainda: “que foi criado por seus avós maternos, os quais já faleceram, sabendo que sua mãe faleceu quando este tinha um ano de idade; que seu pai faleceu há cerca de oito anos; que se recorda que tinha Certidão de Nascimento e Título Eleitoral, mas ambos os documentos foram perdidos. Que o interrogado não tem nenhum parente a quem comunicar sua prisão nem possui dinheiro para contratar advogado”.
Não consta dos autos qualquer documento identificando o preso como sendo, de fato, Pedro Santana de Almeida e não cuidou a autoridade policial de empreender diligências para identificar oficialmente a pessoa presa que lhe foi apresentada ou informar sobre seus antecedentes.
Tem-se, portanto, que está presa, acusada de crime de furto de rádio portátil e aparelho de som, na Delegacia de Policia desta cidade, uma pessoa que diz se chamar Pedro Santana de Almeida, sem documentos, analfabeto, não identificado pela autoridade policial, sem pai e sem mãe vivos e que, aliás, são mortos há muito tempo e sabe apenas que se chamavam Zé e Ana.
Vê-se, então, que o mesmo Estado que “deu voz de prisão” não é capaz de identificar civilmente, por deficiência ou desídia da Delegacia de Polícia, a pessoa presa por seu aparato repressivo. Não se sabe, com certeza, em consequência, quem de fato está preso na Delegacia de Polícia desta cidade. Sendo assim, não sendo o Juiz um inquisidor ou investigador, mas garantidor do cumprimento da Constituição, não há como manter uma prisão em flagrante nestes termos.
Mesmo assim, por cautela deste juízo, o Cartório da Vara, através da certidão de fls. 13, informou que “nada consta” contra Pedro Santana de Almeida.
Além disso, considerando que o preso seja mesmo, de fato, Pedro Santana de Almeida, segundo o disposto no artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, o Juiz, quando da análise do Auto de Prisão em Flagrante, deverá conceder a liberdade provisória ao acusado quando verificar a inocorrência das hipóteses que autorizam a prisão preventiva.
Isto posto, também considerando as circunstâncias do “flagrante” e que os objetos supostamente furtados foram entregues às vítimas, por não verificar qualquer das hipóteses para a prisão preventiva, CONCEDO, de ofício, a liberdade provisória à pessoa que se encontra presa em virtude do flagrante em apreço.
Expeça-se o Alvará de Soltura.
Retornem-me os autos com o Inquérito Policial ou Denúncia.

Conceição do Coité, 10 de fevereiro de 2011

*Gerivaldo Neiva é Juiz de Direito na Bahia e membro da Associação Juízes para a Democracia. 




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