terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

DIREITOS, APENAS


Reno Viana *

Hoje ouvi um estudante fazer interessante comentário. Segundo ele, nos meus textos eu defendo os direitos humanos, mas no dia-a-dia da Vara do Júri onde atuo estou sempre mandando os réus para a cadeia. Aparentemente singelo, o questionamento do jovem estudante na verdade aborda um assunto de elevada complexidade.

Nos dias atuais, é difícil dizer com exatidão qual a função social do Poder Judiciário. Em minha opinião, ainda mais complicado é entender os motivos que levam um indivíduo a abraçar a profissão de Juiz de Direito. As causas patológicas são relativamente bem conhecidas e alguns casos já fazem parte do folclore forense. Mas são complexos os motivos que levam uma pessoa comum, dentre tantas opções profissionais, a optar pela carreira da magistratura.

Saindo do âmbito meramente individual, buscando uma análise coletiva do problema, seria o caso também de questionar se todo aparato judicial seria na realidade socialmente necessário. Ao que parece, no atual estágio evolutivo da humanidade, a abolição completa das leis penais e da estrutura jurisdicional ainda é uma utopia, sem qualquer perspectiva imediata nesse sentido.

Dessa forma, em todos os lugares, existe sempre um indivíduo cuja profissão é mandar seus semelhantes para a cadeia.

Aqui na cidade de Vitória da Conquista, interior da Bahia, especificamente na Vara do Júri, trabalha um sujeito desses. No caso, sou eu. Contudo, apesar da profissão que exerço, possuo a característica peculiar de não acreditar na eficácia social do encarceramento.

Como admitir essa contradição ?

Na prática, estive sempre mandando pessoas para a cadeia. Era necessário fazer isso, principalmente em situações graves. Um dos motivos principais era para impedir a revolta da população. Nunca aconteceu nas minhas comarcas, mas acompanhei relativamente de perto situações em que a população revoltada depredava os prédios públicos, incendiava veículos, linchava supostos criminosos, tudo isso supondo que fazia justiça com as próprias mãos.

No Brasil, não sei bem a razão, em certos setores da sociedade a expressão direitos humanos passou a ter um sentido pejorativo. Sua defesa considerada como coisa de malucos. Convivemos com o escândalo de ver pessoas socialmente progressistas defenderem posições reacionárias em matéria criminal. Essa postura equivocada certamente decorre da desinformação. Mas chega a ser surpreendente conhecer até mesmo jornalistas, sempre tão avançados em outras áreas, que apresentam também eles essa visão distorcida sobre esse assunto.

Mas, como se sabe, a iniquidade social no Brasil tradicionalmente tem sido perversa e cruel. Nesse contexto, sinistra e aterrorizante a atrasada realidade criminal.

Em tal cenário sombrio, podemos até deixar de utilizar a expressão direitos humanos.  A mera palavra “direitos”, simplesmente, já pode apresentar uma dimensão perturbadora. Por incrível que possa parecer, em determinadas situações essa palavra chega a ser revolucionária.

Então, se mando pessoas para a cadeia, é porque essa é a minha profissão.

Mas onde é possível, como neste texto, eu defendo princípios teóricos, por dever de consciência. Em outras situações, recorro simplesmente à efetividade do direito vigente. Sem adjetivações.

Mas sem nunca esquecer a lição aprendida com o Professor Fábio Konder Comparato, aquela de que no ápice do ordenamento jurídico situa-se o sistema de direitos humanos !



* Reno Viana é Juiz de Direito na Bahia e membro da Associação Juízes para a Democracia.



O Professor Fábio Konder Comparato, em 2010, 
na sede da Associação Juízes para a Democracia, 
fotografado pela Juíza Dora Martins.


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