segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O REI NU E O ADOLESCENTE F.R.A.

Gerivaldo  Neiva*

O comentário abaixo foi postado
aqui no blog há mais de dois anos.
Naquela época, o adolescente F. estava sendo detido pela 10ª vez.
Há poucos dias, foi detido pela 17ª vez.
Passados mais de dois anos, parece que o comentário continua atual.
 O REI NU E O GAROTO F.

A Roupa Nova do Rei é uma fábula conhecida de todos. Foi escrita pelo dinamarquês Hans Christian Andersen e conta a história do rei que gastava todo o seu dinheiro em roupas novas. Sua diversão era exibir suas roupas para os súditos. Para cada hora ou evento, o rei tinha sempre uma novidade em forma de roupa. Dizia-se até que o rei passava mais tempo no seu quarto de vestir do que no gabinete de trabalho.
Pois bem, certa vez chegaram dois tecelões no palácio e gabavam-se de fabricar os mais lindos tecidos do mundo e ainda tinham a especialidade de parecer invisível às pessoas destituídas de inteligência ou àquelas que não estavam aptas para os cargos que ocupavam.
O resultado dessa estória é que os dois tecelões, depois de receberem muito dinheiro e linhas de ouro, fingiam fabricar um tecido enquanto enganavam a todos. Até mesmo os ministros do rei, temendo pelos empregos, afirmavam que estavam vendo o tecido e que era uma coisa estupenda.
É claro que o rei também não estava vendo tecido algum, mas não podia passar por pouco inteligente diante de seus ministros e conselheiros. O certo é que o rei admitiu vestir a roupa especial em um desfile e todos os seus súditos, que também queriam passar por inteligentes, elogiavam a roupa do rei.
Porém, uma criança que estava entre a multidão, em sua imensa inocência, achou aquilo tudo muito estranho e gritou:
- Coitado!!! Ele está completamente nu!! O rei está nu!!
O povo, então, enchendo-se de coragem, começou a gritar:
- Ele está nu! Ele está nu!
O rei, coitado, ficou muito envergonhado e passou muito tempo sem sair de seus aposentos, mas deixou de lado a vaidade. Os dois trapaceiros tentaram dar o mesmo golpe em outro reino, mas foram descobertos e presos.
Este é um breve resumo da fábula.
Vamos, agora, ao real.
No início deste ano, jornais e TVs do Brasil publicaram com estardalhaço o caso do garoto F., 12 anos, preso pela décima vez. Alguns lamentaram que, mesmo assim, absurdamente, F. não poderia ficar preso e seria liberado pelo Juiz.
Os jornais informaram que a ficha de F. é maior do que ele mesmo e seus crimes estão relacionados com “furto de veículo”, “dirigir sem permissão”, “furto à farmácia” e “desacato.”
A maioria dos leitores, comentando a notícia, defende que F. já é um bandido, que deve ser preso ou morto pela polícia, pois é irrecuperável. Outros fizeram a crônica de seu futuro: vai continuar roubando, vai ser internado e fugir, vai continuar roubando e matar algum cidadão de bem... até um dia ser morto pela polícia.
Certamente vai ser assim mesmo.
É difícil compreender, no entanto, que a história da vida de F. já é um grito:
- O rei está nu! Vocês todos estão nus! O “sistema” de vocês está nu!
Ele tem razão.
O simples fato de uma criança com 12 anos registrar 10 entradas em delegacias é o atestado definitivo da falência do sistema de proteção à criança e adolescente desse país! Não funcionou com F. e não funciona com milhões de outras crianças. Para eles não existem direitos fundamentais, nem Constituição Federal e nem Estatuto da Criança e do Adolescente.
E a sociedade brasileira, de outro lado, preocupada com sua própria roupa e suas vaidades, pensa que está vestida com um magnífico tecido e faz crer a todos, através dos “Jornais Nacionais” da televisão brasileira, que F. é uma excrescência, uma anormalidade que precisa ser varrida da vida social. Não adianta: vai um e surgem dezenas a cada dia...
E assim todos pensam que estão finamente vestidos: os legisladores elaboram cada vez mais leis rigorosas, o judiciário se esforça cada vez mais para cumprir as leis rigorosas e o executivo faz de conta que oferece as condições necessárias à proteção da infância pobre desse país.
O que não sabem e não querem saber, na verdade, é que estão todos nus e que o comportamento social de F., na verdade, é o mesmo grito da criança da fábula de Andersen:
- O rei está nu!
É preciso, por fim, que os Juízes de Direito, Promotores de Justiça, Delegados de Polícia, Conselheiros e quem mais quiser façam coro com ele:  
 - O sistema está nu!


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